Simplificar a gestão da pandemia
A DGS começou a dar os primeiros passos para reduzir a repercussão extradoença da pandemia por SARS-CoV-2. Felizmente. Mas ainda nos são dados alguns sinais contraditórios.
O primeiro é a obsessão de fornecer diariamente os números de infetados, de internamentos e de mortes que continuam a alarmar, a meu ver desnecessariamente, a população. Sobretudo quando responsáveis de grandes hospitais nacionais nos garantem que atualmente mais de 50% das pessoas internadas infetadas por SARS-CoV-2 não estão internadas por causa desta infeção.
Em todos os anos, na época da gripe, se regista uma grande afluência aos serviços de urgência em todo o país e se fala em incapacidade dos hospitais fazerem face ao surto epidémico, os serviços estão cheios e há doentes em macas nos corredores – em muitos anos mais do que o que se está a verificar agora. Também o número total de óbitos que se verificou nas últimas semanas de 2017, 2018 e 2019 foi superior ao que se verificou no final de 2021 (fonte: Boletim de Vigilância Epidemiológica do Instituto Nacional de Saúde). Com a informação diária que temos, seríamos tentados a considerar o contrário.
O segundo é a manutenção da necessidade de ter um certificado digital de vacinação contra a covid para muitas atividades. Para que serve? A variante Ómicron, que em Portugal já corresponde a mais de 90% dos casos, confirmou que as vacinas atuais não travam a pandemia, mesmo com a dose de reforço, como o demonstra um estudo populacional dinamarquês e como vamos vendo todos os dias em Portugal. E por isso é também incompreensível que se mantenha pressão social, escolar e desportiva para a vacinação de crianças e adolescentes. Teriam mais impacte certificados digitais das vacinas contra o sarampo e a poliomielite que, estas sim, podem erradicar as respetivas doenças do mundo.
O terceiro é a manutenção da necessidade de testes em tantas situações. O maior número de testes não permitiu travar o surto atual. Penso que nesta fase os testes já deveriam estar reservados sobretudo para diagnóstico em sintomáticos e em contexto hospitalar. E sobretudo não se justifica, fora de uso hospitalar, testes de PCR (ou TAAN) com custos muito superiores aos de antigénio, sem quantificarmos o benefício esperado.
O quarto é o Estado subsidiar a 100% tantos testes e tantos confinamentos espúrios.
E, por fim, temos o número enorme de profissionais de saúde quase exclusivamente dedicados à pandemia há quase dois anos, atualmente atolados em tarefas que em nada afetam o curso da pandemia. E com isso compromete-se o exercício fundamental de outras funções, implicando inevitavelmente atrasos de diagnóstico de muitas doenças que têm uma repercussão na morbilidade e mortalidade da população portuguesa muito superior à da covid-19 (tais como, por exemplo, cancro, doenças cardiovasculares, diabetes).
Temos que melhorar a gestão da pandemia – sem causar medo e sem ter medo. Porque é este medo, que se continua a alimentar, que tem estado na origem de muitas medidas que em Portugal e no mundo têm atualmente já fraca prova científica que as suporte. A que se alia uma inexplicável ausência de análises de custo/eficácia das medidas implementadas e a implementar.
E esta análise, que envolva custos, riscos e benefícios esperados, deve também ser feita para os antivírus e anticorpos monoclonais que começam agora a ser comercializados. O medo já não pode ser tanto que qualquer medida que apresente alguma eficácia na prevenção de doença nalguns estudos seja de imediato adotada.
É crucial conseguirmos assimilar verdadeiramente, embora já o saibamos, que este vírus se tornará endémico, apesar de taxas muito elevadas de vacinação; que a sua repercussão clínica é muito inferior à inicial, o que se deve muito à imunização pela vacinação e pela infeção natural a que a população foi sujeita; que não é possível nem desejável vacinar toda a população todos os anos; que as regras de confinamento e de testes criam um peso excessivo e injustificado na sociedade sem benefício evidente na propagação da infeção, tal como a exigência de certificado digital de vacinação contra a covid; e que os recursos humanos e financeiros em saúde têm que ser distribuídos de forma racional e proporcional.
Assim, devemos fazer uma pausa, avaliar o impacto real que a epidemia tem atualmente na doença grave de pessoas vacinadas e não vacinadas e caracterizar de forma adequada os grupos de risco que poderão beneficiar de vacinação complementar e de novos fármacos que entretanto sejam comercializadas.
Mantenhamos como boa a cultura da “etiqueta” respiratória e higiene das mãos, que sobretudo deve ser respeitada por quem tem fatores de risco para evolução mais grave de qualquer infeção respiratória e para quem com essas pessoas tem contacto familiar, social ou profissional.
Tiremos de cima da população o peso da pandemia que não tenha que ver exclusivamente com a doença. E viveremos todos melhor.