Exposição
Será que ainda reconhecemos a Setúbal do início dos anos 1980?
Desapareceram das ruas as crianças que vendiam jornais e pensos, desapareceram os amoladores, os engraxadores, os cauteleiros, os vendedores ambulantes que transportavam os seus bens a cavalo. Será que ainda reconhecemos a Setúbal que Fernando Pinho fotografou no início da década de 1980? As 40 imagens patentes na exposição 40 anos, 40 imagens - Figuras Típicas de Setúbal contam-nos como era através do retrato do património humano da cidade.
Era o início dos anos 1980. Em Setúbal, assim como no resto do país, viviam-se os primeiros anos de liberdade da era pós 25 de Abril. O fotógrafo sadino Fernando Pinho, então com pouco mais de 25 anos, sentiu nesse período o impulso de documentar a cidade, as pessoas que nela viviam. "Sobretudo as figuras que toda a gente conhecia e que estariam na iminência de desaparecer", explicou ao P3, em entrevista telefónica.
Ao referir "figuras", o fotógrafo autodidacta de 67 anos remete para pessoas que eram conhecidas de toda a comunidade pela sua singularidade ou pelas suas funções. "Toda a gente conhecia, em Setúbal, o Zé dos Gatos, por exemplo. Era muito popular por aqui." Era também conhecido de todos o Ervilha, que era vendedor de castanhas no Inverno e de gelados no Verão. "Tinha pregões muito engraçados, que ficavam no ouvido; na altura, as pessoas replicavam-nos nas suas conversas, usavam-nos como expressões", recorda. Não havia, também, quem não conhecesse de vista o homem cego que pedia esmola na baixa de Setúbal, o cauteleiro, o amolador.
Fernando pouco sabe sobre as vidas destas pessoas ou as suas histórias, mas reconhecia, intuitivamente, que faziam parte do património humano da cidade. "Eram figuras típicas", refere. "Não fotografei de forma organizada, não queria, conscientemente, criar uma série de retratos." Foi após um mergulho no seu arquivo que encontrou os negativos e decidiu dar-lhes uso, mostrá-los ao mundo. Ou melhor, a Setúbal, com a exposição 40 anos, 40 imagens - Figuras típicas de Setúbal, que estará patente no Museu do Trabalho Michel Giacometti, entre os dias 15 de Janeiro e 27 de Março.
Já passaram mais de 40 anos desde o registo das imagens. Será que ainda reconhecemos a Setúbal que Fernando Pinho fotografou? Extinguiram-se das ruas as crianças que vendiam jornais e pensos, desapareceram os amoladores, os engraxadores, os cauteleiros, os vendedores ambulantes que transportavam os seus bens a cavalo. Desapareceram também os chapéus de aba larga usados, então, pelos pescadores para transportar peixe. E estão em desuso os métodos usados por Fernando Pinho para o próprio registo fotográfico, hoje relegados a uma minoria amante da arte fotográfica. "Na altura era eu quem comprava o filme em bobine, quem carregava os rolos, quem os revelava e ampliava", conta. "Há 40 anos era tudo mais rudimentar." A vida em Portugal, ao que parece, também.