Quem são os 39 homens ainda em Guantánamo?
Entre os homens que restam na prisão símbolo da “guerra ao terrorismo”, só há dois dos primeiros 20, descritos como “os piores dos piores”. Doze são considerados perigosos, mas destes só dois foram condenados.
Chamam-lhes “forever prisoners” (“prisioneiros para sempre”) e alguns estão detidos há mais de 20 anos. Na prisão aberta pela Administração de George W. Bush na base naval de Guantánamo, por onde já passaram pelo menos 779 prisioneiros, restam 39. Destes, 27 são “forever prisoners”, detidos sem qualquer acusação formal ou julgamento.
Alguns não podem ser julgados por causa da tortura a que foram sujeitos; outros são considerados demasiado perigosos para serem libertados; em muitos casos, não foram implicados em nenhum crime. E os políticos norte-americanos já recusaram várias vezes um cenário em que fossem transferidos para prisões de alta segurança nos Estados Unidos.
“São chamados ‘forever prisoners’, porque vão estar detidos para sempre”, disse ao Business Insider Mark Denbeaux, advogado e professor de Direito que procurou soluções para encerrar Guantánamo na equipa de transição de Barack Obama e que hoje defende Abu Zubaydah, o primeiro alvo de tortura no programa de interrogatórios da CIA. Zubaydah, saudita capturado no Paquistão em Março de 2002, é um dos “forever prisoners”.
A par de Khalid Sheikh Mohammad, confesso autor do plano dos atentados de Washington e Nova Iorque, o nome de Zubaydah é o mais referido nos memorandos do Departamento da Justiça da Administração Bush que Obama divulgou – uma descrição pormenorizada das “técnicas de interrogatório avançadas” que a CIA queria saber se eram ilegais, intercalada por raciocínios desenvolvidos pelos advogados para concluírem que nada daquilo constituía tortura. Foi o primeiro dos “detidos de alto valor” e, por isso, o primeiro a quem foram aplicadas muitas destas técnicas: manipulação de dieta, privação do sono, walling (puxar o preso e depois atirar com ele contra uma parede flexível múltiplas vezes durante uma sessão intensa), posições de stress, confinamento (foi encerrado em caixas de diferentes tamanhos) ou waterboarding (simulação de afogamento)…
Soube-se esta segunda-feira que a Lituânia pagou a Zubaydah 100 mil euros de indemnização por ter permitido que a CIA o torturasse na prisão secreta dos arredores de Vilnius. O pagamento, três anos depois da decisão por parte do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, leva o seu advogado a acreditar que pode haver uma mudança de atitude em relação ao cliente. “Esta decisão é consistente com a ideia de que os EUA estão a suavizar a sua posição em relação aos ‘forever prisoners’”, disse Denbeaux ao jornal The Guardian. “Os EUA podiam ter impedido a Lituânia de pagar e a questão é: porque é que não o fizeram?”
Denbeaux confia em Joe Biden e nas garantias do actual Presidente de que quer encerrar Guantánamo, mas sabe que entre os “forever prisoners” e os que esperam por um julgamento, como os cinco acusados de participação no 11 de Setembro, não há soluções óbvias.
Dos 39 detidos ainda em Guantánamo, só há dois dos primeiros 20, descritos como “os piores dos piores” (os restantes estão em 11 países, alguns casaram-se e têm filhos; outros não seguiram em frente, como os quatro que agora se apresentam como líderes políticos e militares dos taliban), Ali Hamza al-Bahul, iemenita que é o único preso em Cuba condenado por um crime de guerra (cumpre prisão perpétua), e o tunisino Ridah bin Saleh al-Yazidi, que há anos foi considerado apto para libertação, mas recusa colaborar na definição do seu futuro.
Doze são considerados perigosos, mas destes só dois foram condenados – um é Ali Hamza; o outro declarou-se culpado de pertencer a um grupo terrorista e está à espera de conhecer a pena. Sheikh Mohammad e os outros quatro acusados dos ataques de 2001 estão a ser julgados, mas o processo nas comissões militares está em fase de pré-julgamento há mais de nove anos.
Apesar de várias reformas no sistema das comissões militares de Guantánamo mantêm-se os problemas de sempre, como as discussões intermináveis entre defesa e acusação sobre que provas e testemunhos são admissíveis (todos os interrogatórios dos prisioneiros torturados ou só aqueles em que foram sujeitos a tortura, por exemplo) ou até que leis se aplicam. A localização e a dificuldade de ter juízes e advogados em simultâneo e durante períodos prolongados numa base militar erguida numa ilha tropical com um clima imprevisível não ajudam.
Dez dos 27 detidos sem acusação já foram objecto de uma recomendação de transferência – o que habitualmente implica que sejam enviados para um país que concorde com as condições de segurança impostas pelos EUA – mas não há prazos para que isso seja feito. Denbeaux defende que seria mais fácil e rápido resolver o problema dos “forever prisoners” do que dos poucos que ainda terão de ser acusados. Mas nada em Guantánamo alguma vez foi simples e Biden não se esquece de que Obama prometeu encerrar a prisão um ano depois de ser eleito.