A idade não perdoa, empodera

Hoje vi-a com um muro a separar-nos. A minha bisavó é ferro. Sabe o meu nome mas troca-o com o da minha mãe. Sabe que sou bisneta mas sente que é avó.

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Hoje vi a minha bisavó. Falei com ela. Com aquela senhora tão viva, mais viva do que eu. Mais viva do que muitos de nós. A idade pesa, mas a ela não. Está delicada. A minha bisavó é de porcelana. Branca de neve, olhos de mar, cabelos de sol. Não me ouve mas sei que me entende. Sorri e comove-se.

A minha bisavó é tão bonita. Sempre foi. E a máscara esconde o seu sorriso, mas torna o seu olhar mais brilhante. E a vida é efémera. E os cabelos dourados perderam a cor, mas não perderam a beleza. Não a vejo tanto como gostaria.

Hoje vi-a com um muro a separar-nos. A minha bisavó é ferro. Sabe o meu nome mas troca-o com o da minha mãe. Sabe que sou bisneta mas sente que é avó. Troca o meu nome pelo da minha avó, mas sabe de quem está a falar. Tinha a minha avó ao lado quando a vi hoje. É o seu aniversário, e fomos almoçar. Antes, o almoço era na casa da minha bisavó, mas já não existe. As memórias estão lá quando passamos pela rua, mas a casa não. As coisas mudam, e algumas não voltam. Não tem mal. A vida é assim. Sempre foi.

São anos diferentes e há muito medo do toque, e do respirar, e do abraçar, e do sentir. Temos de nos proteger, e de protegê-las. A minha bisavó é mãe. É mãe da minha avó. É avó da minha mãe. É minha bisavó também. Sem ela não estaria a almoçar com a aniversariante, ou a ligar à minha mãe que está longe de férias. Sem a minha avó, não a teria visto hoje. E são muito parecidas. Tal mãe tal filha. Bonitas e de ferro. Mães e de porcelana. Delicadas e garridas. Sorriem e choram, como se deve fazer. Sentem e amam, como a vida deve ser. Hoje vi a minha bisavó, e vi a minha avó. Falta a minha mãe, mas sei que está bem. Merece descanso e que o tempo não passe tão depressa.

A minha mãe é igual à minha avó. E igual à minha bisavó. É inteligente e bonita. E eu quero ser como a minha mãe. Um dia, quando crescer. Hoje vi a realidade, o medo e a saudade. A idade, o amor e a vulnerabilidade. Vi o mar e ouvi a minha avó, as suas histórias e risos que aquecem a alma. A minha avó adora o mar, viveria nele, se pudesse, mas vive diante dele. Faz anos no dia da paz, no ano novo, mas nunca gostou de nascer num feriado.

Quando era pequena não percebia o que veio aprendendo a gostar. Mas não tem mal. Estava comigo e com o seu filho. Viu a sua mãe e viu o mar. Acho que ficou bem e que o dia foi feliz. Não cantámos os parabéns, mas ainda bem. Quando chegar os 71, cantaremos duas vezes. Quando ler isto, saberá o que estou a dizer. E vai rir. Sei disso. Hoje vi a minha bisavó. Que mulher extraordinária. Quero ser como ela. E como a minha avó. E como a minha mãe. E quero ser eu. E mais ninguém.

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