A noite em que Costa se “preocupou” com o “ser humano” Ventura

“Preocupo-me consigo, assim como com todos os portugueses. Os seres humanos são todos os iguais”, disse Costa, numa daquelas que serão certamente das mais curiosas frases de um debate de alguém com o líder do Chega. Costa não esmagou Ventura.

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O debate entre António Costa e André Ventura DR/Cortesia RTP
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Se António Costa tivesse tido uma noite mal dormida, talvez esmagasse André Ventura como há dois dias esmagou Jerónimo de Sousa. Seguindo a explicação do secretário-geral do PCP para a agressividade do primeiro-ministro consigo, talvez Costa, na véspera do debate com o líder do Chega, tenha dormido melhor.

No debate desta quinta-feira, o secretário-geral do PS começou ao ataque contra o líder do Chega por causa da vacina contra a covid, colando-o aos movimentos negacionistas. André Ventura recusou-se a tomar a vacina e acabou a apanhar covid e Costa lembrou que ainda há um mês o deputado do Chega dizia que apenas “equacionava” vir a tomar a vacina, acusando o adversário de irresponsabilidade: “Fico arrepiado quando vejo isto de um responsável político que devia dar o exemplo.”

Ventura disse que não se pode vacinar “imediatamente” porque teve covid há pouco tempo e acabou a demarcar-se dos negacionistas, assumindo que se iria vacinar. Mas o debate deu origem a um diálogo curioso: depois de Ventura dizer que “esperava que um primeiro-ministro viesse debater em vez de se preocupar com o seu estado de saúde”, Costa, que se manifestou “feliz” por o líder do Chega ter mudado de opinião em relação às vacinas, acabou a dizer que, sim, a saúde de Ventura também o preocupava. “Preocupo-me consigo, assim como com todos os portugueses. Os seres humanos são todos iguais”, disse Costa, numa daquelas que serão certamente das mais curiosas frases de um debate de alguém com o líder do Chega.

Sendo os seres humanos todos iguais, Costa podia ter trazido para cima da mesa as vezes que André Ventura defendeu que os seres humanos não são todos iguais – recentemente, o Supremo confirmou a sua condenação por ofensas racistas à família Coxi, do Bairro da Jamaica. Mas não: optou por trazer a corrupção para cima da mesa, apontando o facto de André Ventura ter faltado à sessão parlamentar em que decorreu a votação final global do pacote anticorrupção. “O senhor fala, fala, fala. Comigo não passa”, disse Costa.

Mas por muito que António Costa – e uma grande parte do PS – se tenha “esquecido” de que José Sócrates foi primeiro-ministro eleito com uma maioria absoluta em 2005, reeleito em 2009, que só se demitiu por causa do pedido de auxílio feito à troika e está acusado de “mercadejar” o cargo de chefe de Governo, Ventura aproveitou bem o “denial” de Costa em relação ao seu próprio partido, provavelmente causado por stress pós-traumático.

“O ministro da Justiça de José Sócrates trouxe a corrupção para cima da mesa!”, disse Ventura visivelmente aconchegado com a oportunidade, aproveitando para lembrar os autarcas socialistas a braços com a justiça. Aí, Costa ficou à defesa: “Para mim, ninguém está acima da lei. Qualquer socialista que viole a lei tem de ser penalizado.”

Porque é que Costa não esmagou Ventura da mesma forma que esmagou Jerónimo? Porque lhe interessa ter a direita civilizada mais fraquinha e alguma fuga de votos do PSD para o Chega pode evitar uma eventual vitória de Rui Rio? Tendo em conta que António Costa é um táctico, deve haver alguma táctica nisto.

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