Militares russos chegaram ao Cazaquistão depois de “dezenas” de manifestantes mortos
Polícia cazaque diz à imprensa local que “eliminou” manifestantes “extremistas” na maior cidade do país. Organização do Tratado de Segurança Colectiva acedeu ao pedido de ajuda do Presidente Tokaiev e já começou a enviar soldados.
Começaram a chegar esta quinta-feira ao Cazaquistão os primeiros militares russos que vão tomar parte em operações de “manutenção da paz”, na sequência do pedido de apoio feito pelo Presidente do país, a braços com uma onda de protestos populares sem precedentes.
Um grupo de paraquedistas das Forças Armadas russas chegou ao Cazaquistão, menos de 24 horas depois do apelo do Presidente Kassim-Jomart Tokaiev aos seus aliados regionais para que enviassem apoio militar para pôr fim aos protestos que deixaram o país de 19 milhões de habitantes à beira do caos nos últimos dias. Tokaiev recorreu à Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC), uma aliança militar que reúne vários Estados da antiga União Soviética, que se comprometeu de imediato a enviar soldados, embora não tenha sido revelada a dimensão do contingente.
A terceira noite consecutiva de protestos violentos e motins em Alma-Ata, a antiga capital e a maior cidade do Cazaquistão, terminou com “dezenas” de mortos. Em declarações à Khabar-24, uma televisão local, na madrugada desta quinta-feira, uma porta-voz da polícia cazaque revelou que os seus agentes “eliminaram” membros das “forças extremistas” que se juntaram na maior praça da cidade.
“Dezenas de atacantes foram eliminados, as suas identidades estão a ser estabelecidas”, afirmou Saltanet Azirbek, citada pela Al-Jazira, justificando a actuação das forças de segurança como uma resposta a ataques levados a cabo contra departamentos da polícia em Alma-Ata.
Numa altura em que ainda estão em curso várias operações “antiterrorismo” no território, o Ministério do Interior revela que morreram 18 elementos das forças de segurança, incluindo dois decapitados, e mais de duas mil pessoas foram detidas desde o fim-de-semana.
Esta quinta-feira, soldados dispararam na direcção de uma multidão de pessoas que se concentrava na principal praça de Alma-Ata, de acordo com a agência russa Tass.
O Cazaquistão atravessa um período de enorme tensão social, provocada pela subida dos preços dos combustíveis.
Milhares de pessoas têm-se manifestado em várias cidades contra as autoridades da antiga república soviética. Apesar da forte repressão policial, muitos desses protestos têm terminado em ataques e saques a edifícios públicos, lojas, veículos e caixas multibanco.
Nazarbaiev afastado
A instabilidade levou o Presidente Tokaiev a assumir a chefia do conselho de segurança estatal – afastando Nursultan Nazarbaiev, o primeiro chefe de Estado do país, considerado “pai da nação” – para responder a uma ameaça que diz estar a ser liderada por “gangs terroristas”, treinados “no estrangeiro”, que querem tomar conta das infra-estruturas “estratégicas” e militares do Cazaquistão.
A imposição de recolher obrigatório e a proibição de ajuntamentos no âmbito do estado de emergência generalizado decretado, na quarta-feira, pelo Presidente, têm-se revelado, no entanto, insuficientes para travar o ímpeto dos protestos.
Nesse sentido, Tokaiev fez um pedido formal de ajuda à Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC), que confirmou, na quarta-feira à noite, o envio de uma força de manutenção de paz.
O Ministério da Defesa russo divulgou imagens às primeiras horas da manhã desta quinta-feira que mostram um contingente de militares russos a embarcar num avião tendo como destino o Cazaquistão.
A aliança militar liderada pela Federação Russa e composta pelas antigas repúblicas soviéticas da Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão, cujo funcionamento é semelhante ao da NATO, revelou que vai intervir no Cazaquistão “durante um período de tempo limitado, de forma a estabilizar e normalizar a situação”.
“Em resposta ao apelo [do Presidente Tokaiev] e considerando a ameaça à segurança nacional e à soberania do Cazaquistão causada, entre outras coisas, por interferência externa, o conselho de segurança colectivo da OTSC decidiu enviar as Forças Colectivas de Manutenção de Paz para a República do Cazaquistão, como previsto no artigo 4.º do Tratado de Segurança Colectiva”, anunciou, citado pela RT, Nikol Pashinyan, o primeiro-ministro da Arménia, que detém a presidência rotativa da aliança militar.
Olga Ivshina, correspondente da BBC na Rússia, informa que “a velocidade com que os protestos se tornaram violentos apanhou muita gente de surpresa, tanto no Cazaquistão como na região mais alargada”, algo que, considera, demonstra que o que está em causa “não é apenas o aumento do preço dos combustíveis”.
“[O Cazaquistão] é um Estado da Ásia Central tradicionalmente estável, muitas vezes descrito como autoritário”, explica a jornalista. “O Governo cazaque claramente subestimou o quão zangada está a população e estes protestos não são surpresa num país sem democracia eleitoral – as pessoas têm de tomar as ruas para serem ouvidas.”