Tingir roupa? Cascas de cebola, folhas de eucalipto e aparas de madeira podem ser a solução

Uma empresa portuguesa criou um projecto para tingir roupa com desperdícios vegetais. O primeiro cliente da técnica de tingimento? Nada mais nada menos que a dupla de criadores de moda Marques’Almeida.

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Cascas de cebola, folhas de eucalipto e borra de café são algumas das matérias-primas utilizadas DR
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Amostras de tecidos e os desperdícios usados DR

Nas últimas colecções da Marques’Almeida ─ a marca internacional da dupla de criadores portugueses Marta Marques e Paulo Almeida ─ não faltaram padrões tie-dye. As peças com este padrão, uma tendência nas passerelles de todo o mundo, foram tingidas a partir de desperdícios vegetais pela Minority Denim, um laboratório têxtil perto de Vila Nova de Famalicão. Cascas de cebola, folhas de eucalipto ou borras de café são algumas das matérias-primas usadas pela empresa fundada por Diogo Aguiar, num processo 100% circular, onde nada é desperdiçado, garante, em conversa com o PÚBLICO.

A Minority Denim não é a primeira empresa portuguesa a apostar em novas formas de tingir têxteis, mas o processo desenvolvido a partir de desperdícios vegetais tem chamado a atenção de várias marcas, dos Marques’Almeida à marca de roupa infantil britânica The Simple Folk. Inicialmente focado apenas na investigação e desenvolvimento na área têxtil, o projecto foi fundado por Diogo Aguiar em 2015. Mas só recentemente ganhou vida a técnica Biotint, fruto de mais de três anos de investigação.

O empresário têxtil tem procurado industrializar a técnica ancestral do tingimento natural. No laboratório em Famalicão, as peças de roupa ganham novas cores graças aos desperdícios vegetais. Ao PÚBLICO, Diogo Aguiar explica que foram testados mais de 50 matérias-primas orgânicas até chegar à paleta de cores agora oferecida. Da casca da cebola, das folhas de eucalipto ou das aparas de diversos tipos de madeira, entre outras, extraem o corante que origina uma solução que tinge as peças já confeccionadas. Ou seja, não se tingem tecidos, mas sim peças finalizadas, de preferência feitas a partir de fibras naturais, como o algodão, o modal, a lã e o linho.

“Cada material origina uma cor”, esclarece Diogo Aguiar. O bege advém da casca da cebola ou do café. Já o laranja, por exemplo, vem do urucu, um fruto muito usado na indústria da cosmética. Diogo e os três colaboradores fazem tudo, desde ir buscar os desperdícios aos fornecedores até à investigação da tecnologia e ao acabamento das peças, num processo que leva, “no mínimo, 24 horas”. Durante um dia, em média, tingem 50 quilos de roupa. O objectivo, avança, é chegar às duas centenas de quilos.

Devolver à natureza

Em vez das caixas de corante que usam a indústria têxtil tradicional, neste “laboratório” recorrem a sacos de serapilheira com matéria orgânica. “A água que utilizamos não é tóxica, vai voltar à natureza, reentrar no sistema”, relembra Diogo Aguiar. O mesmo acontece com os desperdícios usados para o tingimento que são transformados em composto para fertilizar a terra.

A durabilidade do tingimento foi uma das questões que exigiu mais pesquisa, o que atrasou o lançamento da gama Biotint. Diogo Aguiar quis assegurar que o tingimento natural teria uma durabilidade semelhante ao químico. “Não valia a pena estarmos a fazer algo que seria só conceptual e depois as pessoas não podiam usar. Fizemos testes à luz, ao suor, ao calor”, enumera. E garante: “Se tiverem os cuidados que recomendamos, dura como uma peça normal”. Os cuidados de que fala o empresário são a lavagem até a um máximo de 40º C com detergente neutro e evitar secar directamente ao sol, já que este tipo de tingimento tem uma baixa solidez à luz.

O primeiro cliente a acreditar na Biotint, lembra Diogo Aguiar, foi a Marques’Almeida. As últimas duas colecções da marca da dupla de designers portugueses, sediada em Londres, recorreram à tecnologia criada pela empresa de Vila Nova de Famalicão. Na loja online de Marta Marques e Paulo Almeida pode ler-se, na descrição de alguns tecidos, “tingimento com desperdícios vegetais”.

Nas últimas estações, o casal de criadores, que, em 2020, publicou um manifesto sobre a responsabilidade social e ambiental da marca, aboliu as fibras à base de petróleo (excepto quando são recicladas), e as gangas, por exemplo, são feitas com algodão orgânico reciclado e com uma utilização consciente de água. O objectivo, enunciam no mesmo manifesto, é, em meados de 2022, recorrer apenas a peças tingidas de forma natural.

Além da Marques’Almeida, a empresa de Diogo Aguiar desenvolveu, recentemente, um tingimento em exclusivo com uma empresa de Santo Tirso, fabricante têxtil de várias marcas internacionais. “Criámos um tingimento a partir do mosto da azeitona, o que resta de extrair o azeite. É uma cor exclusiva para essa marca”, revela. E, optimista quanto ao futuro da indústria têxtil, termina com um apelo à sensibilidade do cliente final para uma mudança na moda: “Não podemos querer que as coisas sejam diferentes e continuar a pagar por umas calças de ganga o mesmo que se pagava nos anos 2000”.

Notícia actualizada com a correcção de que a Minority Denim não trabalha directamente com o grupo Mango.

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