Morreu Emi Wada, a figurinista que queria “captar a essência do ser humano”

A designer tinha 84 anos e a notícia da sua morte foi dada pela imprensa local que cita fontes familiares.

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Emi Wada tinha 84 anos EPA/JEON HEON-KYUN

“Aqueles que criam o visual de um personagem, sem o qual nenhuma interpretação podia ser bem-sucedida, realizam um trabalho monumental, pois não são apenas artistas, mas também técnicos, pesquisadores e historiadores.” Assim descrevia Audrey Hepburn o trabalho dos criadores dos guarda-roupas do cinema, antes de ser revelado o nome de Emi Wada como a primeira mulher asiática a ganhar o Óscar de Melhor Guarda-roupa.

Nascida de 1937, em Quioto, no seio de uma família abastada, Emi acabaria por crescer longe dos luxos, depois de o bisavô ter perdido tudo. “O meu bisavô era muito rico; era representante [no Japão] da Ford americana, mas tudo foi destruído pelos americanos num ataque aéreo durante a Segunda Guerra Mundial”, recordava, quase como uma lição de vida, Emi Wada, em 2014, quando se encontrou com o realizador português Miguel Gonçalves Mendes, no âmbito das filmagens do documentário O Sentido da Vida, com estreia prevista para 2022. Afinal, terá sido isso que a fez perceber que tudo é efémero, não havendo lugar ao apego pelas coisas. Uma forma de viver que transpunha para a tela, mas também para a televisão ou para os palcos. Mas foi o cinema a levar o seu nome mais longe quando, em 1986, a Academia de Hollywood se rendeu ao trabalho que realizou no épico Ran - Os Senhores da Guerra (1985) do mestre Akira Kurosawa.

A porta para esse mundo foi-lhe aberta pelo marido, o actor e realizador Ben Wada (1930-2011), com quem se casou em 1957, já que a sua vontade inicial era para seguir pintura. E a designer deixou a importância do marido clara no seu discurso de aceitação da estatueta dourada, em directo para o mundo, em japonês (e que o tradutor trocou “marido” por “mulher” num momento que ainda arrancou algumas gargalhadas): “Nunca sonhei poder receber este prémio de ouro. Esta figura não precisa do meu fato. Agradeço-vos, especialmente ao sr. Kurosawa e à equipa que trabalhou em conjunto. Também ao meu marido. Agradeço-vos muito, muito.”

No cinema, Emi Wada assinou ainda o guarda-roupa de outras famosas produções – O Segredo dos Punhais Voadores (2004), Herói (2002), 8 Mulheres e ½ (1999), Sonhos de Akira Kurosawa (1990) –, mas o seu trabalho estético não se resumia à Sétima Arte: na televisão, foi agraciada com um Emmy, em conjunto com Julie Taymor, pelo excelente desempenho individual num guarda-roupa num programa de variedades ou música, pela ópera televisiva Oedipus Rex (1993), e, nos palcos, trabalhou o guarda-roupa de várias outras óperas, entre as quais A Coroação de Poppea, de Claudio Monteverdi; Madama Butterfly, de Giacomo Puccini; ou Turandot, a última obra de Giacomo Puccini.

Aliás, nos últimos tempos preferia dedicar-se às artes dos palcos, sobretudo à ópera, considerando que aquilo que pretendia mostrar no cinema, as pessoas não queriam ver, como deixou registado para O Sentido da VidaEu vou ficar afastada do cinema por um tempo porque, aparentemente, o que eu gosto não se encaixa no que o mundo actual quer. Por isso acredito que me consiga expressar melhor nos palcos do que no cinema. Se surgir um projecto que tente captar a essência do ser humano, nesse eu gostaria de participar.” E surgiu: em 2020, criou os figurinos para Love After Love, de Ann Hui, que estreou no Festival Internacional de Veneza 2020, e onde a realizadora ganhou o Leão de carreira.

“A Emi Wada odiava efeitos especiais no cinema, defendia a matéria e a manufactura e achava que o uso de efeitos especiais era puro facilitismo, que punham em causa as possibilidades infinitas da imaginação humana tanto na construção como na forma como percepcionamos e compreendemos a arte”, explica, em declarações ao PÚBLICO, Miguel Gonçalves Mendes, sublinhando que a designer era “uma mulher extraordinária, muito doce, mas com uma personalidade fortíssima”.

Emi Wada morreu a 13 de Novembro, com 84 anos, segundo a Reuters, baseando-se na imprensa local, que cita fontes familiares. A causa do óbito não foi comunicada.

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