Ministra da Cultura reúne-se com associações do sector para apresentar Estatuto

As alterações introduzidas no diploma não convenceram as estruturas da Cultura, que se dizem “defraudadas” e receiam que o Estatuto agora aprovado venha agravar a precariedade laboral no sector.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

A ministra da Cultura reúne-se esta segunda-feira com as estruturas que integraram o grupo de trabalho para a elaboração do Estatuto dos Profissionais da Cultura, para lhes apresentar a versão final do documento aprovado na quinta-feira em Conselho de Ministros.

Fonte do gabinete da ministra Graça Fonseca acrescentou à agência Lusa que, na sexta-feira, a ministra convidou todas as estruturas envolvidas no grupo de trabalho, “que são mais de uma dezena”, a participarem numa reunião esta segunda-feira, às 15h, na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa.

O Estatuto dos Profissionais da Cultura, uma reivindicação do sector com pelo menos duas décadas, começou a ser desenhado em meados de 2020, quando o Governo anunciou a criação de um grupo de trabalho interministerial, “para análise, actualização e adaptação dos regimes legais dos contratos de trabalho dos profissionais de espectáculos e respectivo regime de segurança social”. Este grupo de trabalho contou também com contribuições de diversas associações representativas da Cultura.

Uma versão preliminar do documento fora aprovada em Conselho de Ministros, a 22 de Abril deste ano, tendo-se seguindo um período de consulta pública, que terminou em Junho, e durante o qual, segundo o Ministério da Cultura então anunciou, foram recebidos 72 contributos.

A 14 de Julho, numa audição parlamentar, a ministra da Cultura disse que em Setembro seriam retomadas as reuniões com as entidades que estiveram envolvidas no processo de construção do estatuto. Na altura, Graça Fonseca reiterou a “disponibilidade do Governo” para o diálogo. No entanto, segundo as estruturas representativas dos trabalhadores do sector, tal não veio a acontecer.

No final da reunião do Conselho de Ministros da semana passada, a ministra anunciou que, ao abrigo do decreto-lei, os trabalhadores da Cultura passam a ter direito, ao fim de um mês de inactividade, a um subsídio similar ao subsídio de desemprego, que variará entre 438,81 euros e 1.097 euros.

No estatuto consta ainda uma “nova taxa contributiva a pagar pelas entidades que optem por celebrar contratos de prestação de serviços”, que passam ainda a ser obrigadas, segundo a ministra, a fundamentar a opção pela celebração de contrato de prestação de serviço. Além disso, acrescentou Graça Fonseca, “foi criado um regime próprio de fiscalização e um regime agravado de contra-ordenações”.

O Estatuto dos Profissionais da Cultura integra o registo profissional, o regime contratual de trabalho e o regime de protecção social e aplica-se “aos profissionais das artes do espectáculo, do audiovisual, das artes visuais e da criação literária, que exerçam uma actividade autoral, artística, técnico-artística ou de mediação cultural”, indica o Governo.

Num comunicado conjunto divulgado esta segunda-feira, a Associação Portuguesa de Realizadores (APR) e a Plateia adiantam “três desmentidos” em relação à versão final do estatuto, aprovado na generalidade na quinta-feira passada. “Ao contrário do que a ministra da Cultura afirmou, a versão final do Estatuto não resultou de muito diálogo”, o “acesso à nova prestação por suspensão de actividade cultural é altamente limitado” e o estatuto “não combate a precariedade”, lê-se no texto.

No que respeita ao acesso à nova prestação por suspensão de actividade cultural, a APR e a Plateia consideram que apenas pode aceder a este novo subsídio “uma parte das pessoas que trabalham na cultura”, já que o acesso “é exclusivo a quem trabalha através de contrato de trabalho de muito curta duração ou através de recibos verdes, estando todas as outras pessoas de fora, nomeadamente a maioria das situações de trabalho por conta de outrem”.

“O Governo não reconhece e não quer combater a precariedade laboral na Cultura. Tudo o que é referido no Estatuto sobre este aspecto é apenas o que já decorre das leis laborais”, afirmam.

Na sexta-feira, associações representativas dos trabalhadores da Cultura mostraram-se “indignadas” e “desiludidas” com a aprovação do Estatuto dos Profissionais do sector pelo Governo e manifestaram o seu receio de que este venha a “aumentar a informalidade e agravar a precariedade"

“O que nós temos, sobretudo, são desconfianças e preocupações”, disse, na altura, o dirigente sindical Rui Galveias, do Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, de Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE).

A questão dos prazos de garantia e a forma como se chega ao subsídio de cessação da actividade, “que não se sabe como é que se vai chamar, mas é uma espécie de subsídio de desemprego”, são, segundo Rui Galveias, alguns dos motivos de preocupações para o sindicato.

Também Salomé Lamas, da direcção da Associação de Artistas Visuais em Portugal (AAVP), disse que a entidade recebeu esta notícia “com enorme desagrado e frustração, porque o documento parece um chapéu que serve a todos, mas afinal não serve a ninguém”. “Estamos, indignados, tristes e desiludidos”, expressou Salomé Lamas, acrescentando que há um sentimento de as associações que participaram no processo terem sido “defraudadas”.

Ainda na sexta-feira, a Convergência pela Cultura considerou, em comunicado, que a aprovação, por parte do Governo, “de um estatuto criado com base na adulteração é uma demonstração do desrespeito pelos contributos dos agentes culturais, que já manifestaram a sua indignação pelo facto de este diploma se encontrar longe do modelo final”, acusando a ministra de “faltar à palavra relativamente à continuidade das reuniões para discussão dos principais pontos que se encontram por resolver”.