Muitos leitores terão em casa um testemunho palpável e confuso de agressões ao ambiente e à carteira: aquela gaveta ou caixa cheia de carregadores e cabos, um emaranhado de electrónica acumulado ao longo de anos de compras, desde telemóveis a escovas de dentes eléctricas.

Na semana passada, a Comissão Europeia anunciou a sua proposta para tornar obrigatório um formato de carregamento comum para vários tipos de dispositivos. Bruxelas pretende forçar também os fabricantes a venderem os aparelhos sem carregadores. 

Se teve uma sensação de déjà-vu, não estará sozinho. É uma medida que a Comissão anda a burilar há mais de uma década. A tecnologia é quase sempre mais rápida do que a legislação – mas este caso eleva o princípio ao patamar do caricato.

Enquanto a União Europeia não legislou, o sector reduziu o número de formatos de carregamento com fios de 30 para três, segundo contas de Bruxelas. A Comissão descreve esta evolução como o resultado de "anos de trabalho com o sector numa abordagem voluntária" (instigou memorandos de entendimento no sector) que, porém, "não produziram uma solução completa". E eis que, chegados a 2021, chega "a proposta de revisão da Directiva Equipamento de Rádio".

No essencial, a Comissão pretende que smartphones, tablets, câmaras, auscultadores, altifalantes portáteis e consolas de videojogos portáteis tenham obrigatoriamente uma entrada USB-C, formato já usado em muitos dispositivos, incluindo vários telemóveis Android. Também é usado nos tablets e computadores da Apple, mas não nos iPhones, que recorrem a uma tecnologia proprietária chamada Lightning (isto permite à Apple controlar que dispositivos se podem ligar fisicamente ao iPhone, bem como vender mais acessórios).

Aqueles aparelhos poderão continuar a ser vendidos com um cabo algo que os consumidores apreciam, diz a Comissão , mas terão de estar à venda numa versão sem o carregador. Não há restrições aos sistemas de carregamento sem fios.

Será então agora, mais de uma década depois, que os desígnios ambientais de Bruxelas neste ponto particular se vão concretizar? Ainda não.

A proposta terá de atravessar o processo legislativo, algo que a Comissão espera que esteja concluído em 2022. Depois disso, os Estados-membros deverão transpor as regras europeias para as respectivas legislações e o sector terá um período de dois anos para adaptar os produtos. 

Tão rápido como ordenar o caos naquela gaveta. 

Digno de nota

- O Facebook decidiu suspender os planos para uma versão do Instagram para crianças. A ideia tinha sido amplamente criticada.

- Na Califórnia, uma empresa propõe robôs para uma agricultura mais sustentável.

- Para o fim, uma boa notícia: o PÚBLICO venceu o Prémio SAPO para melhor estratégia de redes sociais.

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