Um retrato da “pobreza feroz” de Trás-os-Montes nos anos 80

©Eduardo Perez Sanchez
Fotogaleria
©Eduardo Perez Sanchez

As imagens que o fotógrafo autodidacta Eduardo Perez Sanchez registou na região de Trás-os-Montes, entre 1982 e 1989, passaram as últimas décadas guardadas, escondidas do olhar público, em rolos fotográficos num "vasto baú de negativos". "Depois dessa década de registos, nunca mais fotografei Trás-os-Montes", conta ao P3, em entrevista. "Mas sempre conservei os negativos dessa época na esperança de, um dia, ter tempo de me debruçar sobre eles." O dia chegou quando, finalmente, se reformou, pouco antes do estalar da pandemia de covid-19. "Mandei digitalizar tudo e comecei a pensar que este tema merecia um livro específico", conta. E assim nasceu Trás-os-Montes, Uma Visão a Preto e Branco sobre as Gentes e o seu Viver na Década de 1980, que resume as suas incursões pelas aldeias de Agordela, Calvo, Sá, Santa Valha, Vilarandelo, entre outras (que a sua memória já não alcança).

O fotógrafo, que publica o primeiro livro aos 71 anos, recorda as temporadas que passou na região de Valpaços com saudade. "Na altura passava horas a conversar com as pessoas nas aldeias. Ao fim de poucos minutos as barreiras estavam ultrapassadas e a conversa fluía com naturalidade." Recorda que nas aldeias havia poucos homens. "Estavam emigrados. As aldeias eram compostas sobretudo por mulheres, crianças e idosos. Sentia-se muito a ausência dos mortos da guerra colonial, também, o que era muito dramático. As viúvas, vestidas de negro no Verão e no Inverno, não deixavam esquecer."

Essa amargura e saudade está patente nos rostos das mulheres que fotografou, observa. "São rostos duros, que mostram marcas do tempo. Uma das imagens [a segunda desta fotogaleria] retrata uma mulher viúva debruçada sobre uma janela por onde parece escorrer um líquido negro; essa mancha simboliza as suas lágrimas." A dureza da saudade, trabalho, do clima inóspito e a "pobreza feroz" contrastava com a alegria de viver que transbordava nas expressões das crianças das aldeias. "Elas viviam sob uma espécie de liberdade que já não existia nas cidades, andavam por onde queriam, faziam o que lhes apetecia. Eram muito alegres e gostavam de ser fotografadas." 

Para além das "gentes", Eduardo registou também as suas actividades: a pastorícia, a cultura de cereais, as colheitas, as pequenas hortas de subsistência, as matanças do porco. "Era chocante assistir à matança, mas era (e é ainda) um costume essencial nesta região por gerar uma enorme quantidade de alimento, que pode ser consumido ao longo de todo o ano."

A pandemia impediu o fotógrafo de regressar a Trás-os-Montes, mas tenciona fazê-lo brevemente. Embora tenha nascido em Barcelona, considera-se um portuense de gema - afinal mudou-se para o Porto com seis ou sete anos, apenas dez antes de começar a fotografar. A distância que separa o Porto de Valpaços irá dissipar-se assim que considerar seguro viajar. "O meu maior temor, aquando do meu regresso, é encontrar estas aldeias mal restauradas, mal recuperadas. Gostaria de poder criar, novamente, ligação com as pessoas, mas passaram 40 anos e não sei como encaram a vida, como encaram os outros ou a câmara." 

Antes de regressar a Trás-os-Montes, novamente de câmara em riste, Eduardo Perez Sanchez vai apresentar o seu fotolivro, a 18 de Setembro, na Cooperativa Árvore, no Porto. "Este livro, mais do que exibir fotografias, procura contar as histórias que se encontram por trás delas. Se conseguir produzir esse efeito, o esforço terá valido a pena."

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