Fran Zolin guiava-se pela máxima work hard, play hard (trabalha muito, brinca muito, em tradução livre). “Já estava bem enraizado na minha vida o hábito de beber muito”, recorda ao PÚBLICO. Foi preciso a covid-19 e um confinamento para começar a questionar o seu relacionamento com o álcool e descobrir o movimento sober curious. Por seu turno, Nadja Baldaconi já era considerada uma mindful drinker (isto é, alguém que questiona e pondera os prós e contras antes de consumir álcool). Juntas descobriram que o movimento de extinguir o álcool dos hábitos de consumo é uma tendência e que, por toda a Europa, existem lojas de bebidas não alcoólicas. Daí a fundarem a The Other Bottle, que abre portas pela primeira vez esta quinta-feira, foi um passo.
Mas de que se trata este movimento que está na base da nova loja? Em 2019, a britânica Ruby Warrington publicou o livro Sober Curious (sem tradução para português) sobre a nova tendência de escolher não beber para promover o bem-estar. Na sua caminhada para a total sobriedade, em 2020, durante o primeiro confinamento, Fran Zolin descobriu o livro e começou a pesquisar sobre o movimento. Questionou os motivos pelos quais consumia álcool, ainda que o fizesse apenas socialmente. “As pessoas começaram a questionar-se, como questionaram os cigarros, como questionaram a indústria da carne”, compara a gestora, de 39 anos, em conversa com o PÚBLICO.
Nessa altura, ligou para a amiga Nadja Baldaconi, que, tal como ela, residia em Londres e tinha planos de se mudar para Portugal. Começaram a conversar sobre o assunto e descobriram que a indústria estava a acompanhar a tendência e a desenvolver bebidas “mais rebuscadas e sofisticadas” sem álcool. A tendência já tinha explodido nos Estados Unidos, no Reino Unido e até na vizinha Espanha, mas em Portugal não existia um projecto do género, dedicado apenas a bebidas não alcoólicas.
Por coincidência, durante o confinamento, Nadja, que trabalhava na área do marketing, tinha iniciado a prática de mixologia. “Sempre fui de questionar o que consumo, tanto alimentos, como bebidas, e de fazer as coisas desde o começo”, explica a luso-brasileira de 36 anos. “Gostava de fazer as minhas alquimias em casa, com ervas e especiarias”, reaviva.
"Sabor diferentes, sensações diferentes"
Foi assim que Nadja Baldaconi fez aquela que acredita ter sido a sua descoberta mais importante: “Quando se consome estas bebidas [sem álcool], não é só a questão de ter não ter ressaca, mas consegue-se sentir os ingredientes, sabores diferentes, sensações diferentes”. “Deu mais vontade de divulgar isto e oferecer isto a outras pessoas”, confessa.
E foi precisamente o que as duas amigas fizeram. Procuraram pequenos produtores artesanais para iniciar um projecto de curadoria de bebidas sem álcool. A loja — a funcionar exclusivamente online até encontrarem um espaço em Lisboa — oferece 48 bebidas diferentes, de botânicos a gins, espumantes, aperol e cervejas, com preços que vão de 2,65€ a 35€. Fran Zolin e Nadja Baldaconi destacam os espumantes para os dias mais quentes e o botânico Livener (32,75€).
Até agora, não vendem bebidas portuguesas, mas já desafiaram vários produtores nacionais de sidra a desenvolver uma versão sem álcool. Como todas as bebidas são importadas — ainda que priorizem pequenos produtores artesanais —, por cada compra feita, vão plantar uma árvore, em parceria com a associação Tree-Nation. O consumidor também tem oportunidade de fazer uma doação de forma a minimizar a pegada ambiental da sua encomenda.
Um movimento inclusivo
Outro dos objectivos principais das duas sócias é quebrar o estigma à volta de quem não bebe álcool. “Geralmente quando se diz que não se vai beber naquele dia, as pessoas acham que ou se está a tomar medicamentos ou se está grávida”, lamenta Nadja Baldaconi. Mas também não querem impor o seu estilo de vida a ninguém, avisa, por sua vez, Fran Zolin: “Só estamos a dar outra opção”.
Essa opção é para todos os que, por algum motivo, não estão a consumir álcool, como grávidas ou quem está a amamentar, mas também para quem apenas procura um estilo de vida mais saudável, que está preocupado com a saúde e “muito a par das tendências”, esclarecem. Isto porque o movimento é “inclusivo”, ao passo que “o álcool exclui camadas da sociedade”, sublinha Fran Zolin.
Ao consumir bebidas sem álcool, as duas amigas garantem que a experiência será ainda melhor, porque “o que nos deixa felizes é a experiência e o ritual”, conclui Nadja Baldconi.