Lisboa
Há um arquivo fotográfico em construção sobre um bairro que “deixa de existir”
As histórias das pessoas e lugares do Intendente, em Lisboa, foram capturadas, em resposta ao desafio lançado pela fotógrafa Pauliana Valente Pimentel, e ficam em exposição na Casa Independente até 30 de Agosto.
O que acontece quando nos demoramos nos detalhes, recantos e habitantes do bairro do Intendente, em Lisboa? Foi a pergunta que motivou Pauliana Valente Pimentel e seis alunos da 12.ª edição do workshop Narrativas Fotográficas do Intendente, coordenado pela fotógrafa.
Pauliana começou a interessar-se pela zona do Intendente há sete anos, quando uma das melhores amigas, Patrícia Craveiro Lopes, uma das fundadoras da Casa Independente, começou a trabalhar no bairro. Decidiu, por isso, criar um curso prático a que chamou Narrativas do Intendente, onde os alunos teriam de construir, através da fotografia, uma narrativa passada neste lugar, na freguesia de Arroios.
“A Casa Independente é o nosso posto de trabalho. Eu e a Patrícia Craveiro Lopes fazemos uma visita guiada a esta zona, no início do workshop. Hoje, essa visita demora menos de metade do tempo que demorava há sete anos. A gentrificação começa a tornar tudo muito igual, muitos espaços deixaram de existir”, explica a fotógrafa lisboeta, atenta à evolução do bairro. Ainda assim, garante, nunca nenhum projecto fotográfico se repetiu.
Em 2021, a lente de Filipa Leite Rosa apontou para os cães que se passeiam no Intendente, Pedro J. Márquez preferiu encontrar nas montras das lojas objectos de culto. Ticiana Landeiro homenageou as mulheres trabalhadoras do bairro e Maria João Veloso contou as histórias e poemas de intervenção inscritos nas paredes do eixo Mouraria/Intendente.
João Paulo Barrinha levou o desafio mais longe e construiu a sua própria câmara fotográfica. Os negativos que expõe, directamente saídos da câmara, são retratos de cenários vazios, “de uma saudade ou ausência”. Para cada fotógrafo, existe uma divisão da Casa Independente dedicada apenas à sua exposição. Na casa de banho, por exemplo, ficam as fotografias de Paulo Sales Vieira, retratos íntimos de uma nova geração do Intendente.
“Todas as pessoas que participam nas fotografias são convidadas a vir à inauguração da exposição”, explica Pauliana, em conversa com o P3. “Já vieram trabalhadoras do sexo que choravam emocionadas, já vieram membros da comunidade muçulmana. Há sempre uma troca: dar e receber. São pessoas que ficam felizes por poderem mostrar quem são e o que fazem.”
A intenção da fotógrafa é reunir, agora, um arquivo fotográfico único, alimentado nos últimos sete anos, sobre um bairro que, aos poucos, “deixa de existir”. Planeia fazer um livro e uma exposição colectiva com o trabalho de dezenas de alunos, para construir uma colecção que se tornará “património de todos nós”.
As fotografias não pretendem ser, esclarece Pauliana, uma arma para desconstruir preconceitos, ainda que alguns alunos trabalhem sobre o estigma. São, sobretudo, um retrato do Intendente. “Todas as fotografias contam uma história. Falamos sobre a vida das pessoas, a vida de um bairro.”
A exposição ficará na Casa Independente, no Largo do Intendente, em Lisboa, até 30 de Agosto.