Obesidade
Na luta contra a junk food, crianças mexicanas põem as calorias que comiam em cima da mesa
A Reuters pediu a adolescentes e adultos mexicanos com obesidade para exibirem, sobre as mesas de suas casas, os alimentos que ingeriam ao longo de um dia, antes de entrarem num programa de perda de peso. No Dia da Gastronomia Sustentável, que se assinala a 18 de Junho, o P3 propõe uma reflexão acerca da qualidade da comida que ingerimos.
Com apenas 11 anos, Daniela teve um ataque cardíaco. Pesava 75 quilos. “O médico disse-me que, se continuasse assim, não chegaria aos 18 anos”, contou a jovem de 14, natural da cidade mexicana de Texcoco, à Reuters. A adolescente pesa, actualmente, 81 quilos e frequenta, à semelhança de muitos outros jovens, o programa de perda de peso do Hospital Infantil Federico Gomez, na capital mexicana. Ao longo de 12 anos, com a ajuda de equipas compostas por médicos, nutricionistas e psicólogos, mais de 150 adolescentes mexicanos reaprenderam a alimentar-se e a perder peso. Mas nem sempre o resultado é o esperado. “Em vez de perder peso, estou a ganhá-lo”, lamenta Daniela.
O caso de Daniela é muito particular. Para além de ter um problema de rins, recentemente os médicos descobriram que sofre de diabetes, uma doença cujas complicações já vitimaram mortalmente oito dos seus familiares. A jovem diz que tenta cumprir o plano delineado pela equipa do hospital – que pratica exercício físico e que até gosta de alguns vegetais –, mas quando a diabetes se torna difícil de controlar e os níveis de açúcar baixam, ela precisa de doces para os regular. “Isso causa-me muita ansiedade e depois preciso de doces para compensar”, refere. Um ciclo vicioso. A sua mãe, Angelica, teme diariamente pela vida da filha, motivo pelo qual ambas são acompanhadas por psicólogos do hospital.
Angelica é dona de uma loja de conveniência, em Texcoco, onde alguns dos produtos mais vendidos são conhecidos por serem os mais prejudiciais à saúde: refrigerantes, batatas fritas, doces processados. Mas por todo o México há lojas como a de Angelica e não existem leis que impeçam menores de adquirir produtos alimentares que possam constituir um risco para a saúde. De acordo com um levantamento realizado pelo Governo mexicano em 2018, cerca de 80% dos cidadãos do país consomem refrigerantes diariamente e mais de metade dos adolescentes ingerem snacks e doces processados ou sobremesas todos os dias.
O impacto de medidas governamentais, como o aumento de impostos sobre os preços dos refrigerantes ou a regulação da venda de junk food a menores não acompanhados, tem sido quase insignificante. As estatísticas reflectem, aliás, que a percentagem de pessoas que sofre de diabetes no país aumentou um ponto percentual nos últimos dois anos – sendo que o último registo está nos 10,3%.
Num dia normal, antes de entrar no programa de perda de peso do hospital, Pricila ingeria cerca de cinco mil calorias – segundo o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável português, a necessidade energética diária de um adolescente de 14 anos ronda as 2500 calorias por dia. Aos 15 anos, a jovem pesava 113 quilos – tanto como o seu pai. A tentação por comida era o seu maior inimigo, conta à Reuters, e está por toda a parte. “Eu estava habituada a comer junk food e doces a toda a hora.”
Betzabe Salgado, nutricionista do hospital que acompanha Pricila na sua perda de peso, sabe o quão difícil é resistir a esse tipo de alimentos. A especialista acredita que, além de muito baratos e muito disponíveis, estes produtos são especialmente aditivos devido aos intensificadores de sabor que lhes são adicionados pela indústria alimentar. Acredita também que a fraca supervisão dos pais sobre a alimentação das crianças e adolescentes torna o consumo destes produtos mais comum entre esse grupo; mas aponta o dedo ao excesso de carga laboral que recai sobre os mexicanos e à morosidade das suas migrações pendulares, que lhes retira tempo passado em família ou que poderia ser canalizado para a preparação de refeições em casa.
Porém, não se pode responsabilizar apenas as crianças, adolescentes e pais pelo consumo deste tipo de alimentos. Ou mesmo o Governo mexicano que, em 2020, tencionava implementar uma lei que obrigava as empresas que operavam no país a etiquetar as embalagens de comida potencialmente perigosa para a saúde. Países como os Estados Unidos, Canadá, Suíça e outros da União Europeia, onde estão sediadas algumas das maiores empresas da indústria alimentar ao nível mundial, opuseram-se à implementação da lei no México, alegando vir em má altura devido à pressão económica colocada no sector pela pandemia de covid-19. Cinco membros do Governo mexicano, um advogado e dois grupos de defesa dos direitos dos cidadãos confirmaram à Reuters que o lobby da indústria alimentar conseguiu “empatar” a implementação da lei.
Em ano de pandemia, o impacto da obesidade, da hipertensão e da diabetes sobre a mortalidade associada à covid-19 fez-se notar especialmente. À Reuters, Barry Poplin, professor e investigador na Universidade da Carolina do Norte, garante que essas doenças têm reflexo sobre a mortalidade por covid-19 no México – país que apresenta uma das taxas mais altas do mundo. Afirma o académico que 45% das vitimas mortais da pandemia eram hipertensas, 37% tinham diabetes e 22% sofriam de obesidade. “A diabetes é uma bomba relógio”, alerta.
Carlos tinha 16 anos quando teve um teste positivo à covid-19, em 2020. Nessa altura pesava 137 quilos, o dobro do peso recomendado. Em resultado, passou um mês na Unidade de Cuidados Intensivos em recuperação. À semelhança de Daniela e Pricila, Carlos participa no programa de perda de peso do Hospital Infantil Federico Gomez e tem como objectivo emagrecer e não tornar, nunca mais, a ingerir quase seis mil calorias por dia, como acontecia há dois anos. “Às vezes o meu corpo pede algo açucarado e eu digo não.”