Benfica, o bom gigante

Benfica é entusiasmo genuíno, benevolência altruística, talento em massa quase grosseira, festividade, simplesmente.

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Reuters/PEDRO NUNES

Jogo Benfica-Sporting – meia-final da taça de Portugal, 2019. Mais de 60.000 espectadores presentes. A catedral viva e esplendorosa aguarda um dos jogos do ano. Eu, sentada, quase na relva, absorvo tudo como uma criança deslumbrada. Sinto-me em casa. Pertenço aqui e orgulho-me de vestir a minha alma de vermelho. Registo em arrepios no corpo o fervor intenso, galopante, crescente do estádio a abarrotar de gente. Fixo os milhares de camisolas vermelhas coladas aos corpos vibrantes como se as pudesse contar uma a uma e, seguro na minha mão todos os cachecóis que, agarrados em punhos cerrados, aguardam o momento maior — aquele em que, cantando numa voz uníssona, faz ouvir os versos repetidos, conhecidos de todos: “Ser Benfiquista é ter na alma a chama imensa”!

Comovo-me ao mesmo tempo que rio. Desfaço-me das amarras da vida e simplesmente me fundo na massa una do Benfica. Vai começar. Após o fecho da época 20/21, depois da final da Taça de Portugal, recupero na memória a medida de 1,91m de altura, trazendo ao colo aquele que, de coração benevolente e alma pura, nos deixou em legado o traço da nossa identidade – Torres, o Bom Gigante. Renovo as vénias curvadas em aplausos sentidos feitas pelos antigos, aos passes de cabeça tornados golos nos pés de Eusébio e, volto a sentir cá dentro o que é amar o Benfica. Sinto a sua grandeza incomparável, tanto quanto a alegria que me inspira desde miúda e, me levou por isso, a escolhê-lo como o clube do meu coração. Fico muito feliz com isso!

Hoje, é o dia de repensar quem somos. De nos revisitarmos para não nos perdermos de vista e, quem sabe, nos mantermos atentos a quem deixamos ficar, perto de nós. Benfica é entusiasmo genuíno, benevolência altruística, talento em massa quase grosseira, festividade, simplesmente. É ser maior e voar mais alto, por ser quem luta de peito aberto, humildemente. Se há valor que nos distingue e identifica é este — o da humildade. Humildes nas gentes que somos; na forma que temos de estar e, no jeito com que encaramos a nossa jornada a cada ano. Benfica é ser quem ganha, porque se esforça. Benfica é quem trabalha, para garantir em cada campo, em cada jogo, em cada passe (jornada a jornada), aquilo que quer que seja seu – o voo da Vitória, conquistada! Ser Benfica, é ser querer. Sempre. Sempre.

Questiono-me se o Benfica de Torres, Eusébio, António Simões, Chalana e Nené, do “Luvas Pretas”, Rui Águas, Rui Costa, João Pinto, Nuno Gomes... João Félix (são imensos!), se anteciparia a exaltar resultados prévios, sem antes os construir?! Se o Benfica dos adeptos, desvaloriza ou desonra quem o vence; ou, se o que pretende de raiz é esmagar os adversários, ou competir à sua altura? Questiono-me se o Benfica que me comove e envaidece se esconde atrás de desculpas esfarrapadas, quando é menos eficiente? Sinceramente, não creio.

O Benfica verdadeiro não se vangloria em vão, da mesma maneira que não troca humildade por arrogância estúpida e despropositada. O Benfica é adulto e responsável, como os bons pais de família que, sejam quais forem as condições em que se encontrem, ou os resultados que consigam alcançar, olham de frente — e, olhos nos olhos! —, assumindo os erros cometidos, servindo-se deles para reflectir e aprender. Nunca, jamais desperdiçam os seus recursos — alguns, feitos de ouro extraordinário —, como quem cospe no prato de onde se alimenta. Não reclamam condições excepcionais, mas antes, agradecem as oportunidades que lhes são dadas, para serem reais ganhadores. Não se desresponsabilizam pelos desaires, só porque narcisicamente são incapazes de se fazer valer. Os bons pais de família, como o Benfica, corrigem-se, envolvem-se, dedicam-se e mantêm firme a sua verticalidade, bem como o seu propósito de existir! Não desistem ou se dão por vencidos, antes de esgotarem todas as tentativas ao seu alcance.

A época de 20/21 foi pequena demais para o Benfica, não pela ausência de sucesso em todas as competições, mas pelo desconcertante discurso que foi veiculado em seu nome, o tempo inteiro. Confesso que, uma ou outra vez, senti que os protagonistas dessa fala se confundiram e, se autorizaram a assinar “Benfica”, como se fosse o seu sobrenome. Ora, como diz o povo “cada macaco no seu galho”; ou, de outra forma, “o seu a seu dono”! Que se saiba e, por enquanto, o Benfica não passa procurações em branco a qualquer um, para dizer o que quer e bem entende, sem qualquer restrição ou validade. De igual maneira, o Benfica (ainda) não tem dono, pelo que, não conferiu a ninguém o poder de o usar, indiscriminadamente, para servir outros interesses que não os exclusivamente seus. Legítimos.

Anseio, admito-o, poder voltar ao estádio — a nossa casa mãe! — e cantar com todos bem alto, o cântico da nossa união. Anseio, poder experimentar de novo a força da nossa chama, para que sejamos capazes de mostrar sem dúvidas, quem é quem. Prossigamos. A nossa pertença é verdadeira. A Luz é a nossa casa. A Vitória é o nosso símbolo. Benfica, o bom gigante – E Pluribus Unum

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