Fotografia
Entre a vida e a morte, “tudo permanece imóvel”
Existe algo que é inegável: "a fotografia vive sempre no passado", afirma Fábio Miguel Roque. "Desde o preciso momento em que carregamos no botão da nossa câmara fotográfica, essa imagem já faz parte do passado", explica. "Isso é imutável." O projecto de fotografia artística Everything Lay Still, editado recentemente em formato de fotolivro pela italiana 89Books, versa precisamente sobre o passado, sobre a nostalgia, sobre a mudança. "Vasculhar no passado por questões, hábitos, erros, virtudes e projectá-los no presente e no futuro acabou por ser algo de muito natural em mim", explica o fotógrafo de 35 anos, natural de Lisboa.
A inquietação que habita as imagens de Roque marcam um período de "limbo" na sua vida, descreve, sem fazer nunca menção ao que motivou o desenvolvimento do projecto que precedeu o actual, White Smoke, também publicado no P3. Na sequência de uma doença pulmonar, Fábio viu-se forçado a abrandar. "Todos os meus planos imediatos foram anulados, todos os meus sonhos se tornaram mais longínquos, quase como se de uma utopia delirante se tratassem", continua. Sem certezas de algum dia "poder voltar ao início" e, "eventualmente, recomeçar", Roque fotografou todo o caos interior que viveu nos últimos meses. Sobretudo "a tremenda carga nostálgica" e "impotência perante a vida" que o atormentou. "Ao pegar na câmara para tentar registar esses momentos, havia sempre uma dicotomia de sensações", descreve. "Era como se eu já tivesse presenciado, sentido, sofrido esse mesmo momento. Ficava com a sensação de estar a viver uma outra vida, de estar na pele de outra pessoa." Para melhor traduzir o que sentia, escolheu fotografar a preto-e-branco, em formato analógico.
Fábio já respira de alívio. "Posso seguir em frente como se nada tivesse acontecido (ou quase), como se de um sonho tudo se tivesse tratado." Terá de encontrar, porém, novos hábitos e novas formas de continuar. "Trata-se de um renascer onde não caberão velhos hábitos", conclui. Everything Lay Still coloca um ponto final num ciclo. "Pessoas chegaram e partiram, algumas ficaram, algumas sempre lá estiveram; algumas vivem puramente nas minhas imagens, outras vivem para além delas." Não esquece o dia em que uma lhe pediu que em vez de fotografar o passado, que fotografasse o futuro. "Talvez num outro projecto."