No cancro do rim a genética deve ser valorizada

Atualmente, sabe-se que cada cancro de rim hereditário tem uma alteração molecular específica, manifestações clínicas próprias e um curso de doença típico.

Foto
No caso dos tumores que ultrapassam os 2,5 cm a cirurgia é feita com uma remoção tumoral National Cancer Institute/Unsplash

O cancro do rim representa cerca de 1,8% de todos os tumores malignos, estimando-se que surjam cerca de 600 a 700 novos casos, anualmente, em Portugal. No passado, o cancro do rim já foi considerado uma única entidade, mas agora é entendido como um conjunto distinto de doenças malignas. Foram identificados pelo menos 17 genes que levam ao desenvolvimento de tumores renais, cada um com características diferentes e potencial biológico e agressividade diferente. Acredita-se que o componente hereditário seja responsável por 5 a 8% de todos os casos de cancro do rim. No entanto, provavelmente este número está subestimado com alguns estudos apontando para 38% dos cancros do rim serem hereditários.

A união da oncologia com a genética tem tido, nos últimos anos, uma evolução com impacto marcado ao nível do diagnóstico e do tratamento do cancro. Hoje em dia, podemos, por exemplo, beneficiar dos conhecimentos da oncogenética para “prever” a possibilidade de alguém ter cancro e, nesses casos, reforçar a vigilância (consultas e exames médicos de rotina) para que seja possível identificar o cancro numa fase inicial, com maior probabilidade de cura.

Em concreto, qual é, então, o papel da genética no cancro do rim?

As alterações genéticas hereditárias no cancro renal são uma área em rápida evolução, pelo que a comunidade médica acompanha de perto os seus desenvolvimentos. Exemplo disso é o evento clínico virtual Genetic considerations in Urological Tumors - Renal Cancer​, organizado pela CUF Academic Center, no qual vão participar, esta terça-feira, 25 de maio, médicos especialistas e em formação, de diversas áreas clínicas, nomeadamente Urologia, Oncologia, Anatomia Patológica, Genética Médica e Medicina Geral e Familiar.

Atualmente, sabe-se que cada cancro de rim hereditário tem uma alteração molecular específica, manifestações clínicas próprias e um curso de doença típico. O conhecimento das alterações genéticas de um cancro renal permite uma abordagem de seguimento e de tratamento cirúrgico mais direcionada e, por isso, com melhor prognóstico. Assim, sempre que exista uma elevada suspeita clínica de um cancro renal hereditário deve ser feito o aconselhamento genético.

Os objetivos do tratamento do cancro do rim são: minimizar o risco de metastização, minimizar o número de cirurgias renais ao longo da vida e preservar a maior quantidade possível de rim, fazendo, sempre que possível, cirurgias preservadoras do sistema urinário. Contudo, a abordagem cirúrgica dependerá muito do conhecimento da mutação germinativa específica do tumor renal. Já a agressividade biológica do tumor está associada a cada mutação germinativa específica e, quando tal acontece, tem uma taxa de crescimento muito rápida e agressiva, aconselhando-se que a cirurgia seja feita com muita urgência e que seja muito radical, isto é, com uma margem livre de tumor muito grande.

Ao inverso, existem tumores associados a determinadas alterações genéticas inatas, tais como: os tumores papilares hereditários com uma taxa de crescimento muito lenta; os tumores na doença de Von Hippel-Lindau; os tumores associados à síndrome de Birt-Hogg-Dubé — que podem ser vigiados. No caso dos tumores que ultrapassam os 2,5 cm a cirurgia é feita com uma remoção tumoral, em vez de uma abordagem cirúrgica mais radical, preservando-se, assim, a maioria do tecido renal.

Uma questão que vou ouvindo em consulta é: “Se na minha família existem antecedentes, devo preocupar-me?”. Ora, a existência de história familiar de cancro de rim e a idade de diagnóstico inferior a 45 anos são indicações muito relevantes para uma avaliação genética. Além disso, a existência de síndromes hereditárias, que muitas vezes se traduzem em manifestações cutâneas, devem ser fortemente consideradas para um estudo genético.

Atualmente, alguns dos critérios para estudo genético, no caso de um doente com um tumor renal, são: tumores renais múltiplos e ou em ambos os rins; tumor renal diagnosticado com idade inferior a 45 anos; familiar próximo com cancro renal; história de pneumotórax; manifestações cutâneas e início em idades inferiores a 30 anos de fibromas uterinos; presença de epilepsia ou deficiência mental e esclerose tuberosa.

É provável que outros genes não descobertos e fatores genéticos contribuam para o desenvolvimento do cancro renal, mas é certo que estar atento e procurar o seu médico para discutir os critérios que já se conhecem é um elemento fundamental na luta contra o cancro do rim.

Assim, a avaliação dos critérios genéticos deve ser feita, preferencialmente, como forma de prevenção e em pessoas que ainda não manifestaram a doença, desde que cumpram os critérios para esta avaliação. Desta forma, as pessoas saudáveis terão uma estratégia de seguimento para si e para a sua descendência.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

Sugerir correcção
Comentar