Ser extrovertido não é uma qualidade e ser introvertido não é um defeito
Os extrovertidos são muito valorizados nas sociedades ocidentais e quem assim não se apresenta é por vezes levado a pensar que tem algo errado. É um enviesamento que interiorizamos desde cedo.
A Alexandra gosta de partilhar com as amigas novidades sobre as séries preferidas, embora prefira estar sossegada a ler. Infelizmente na escola é difícil encontrar um local tranquilo para o fazer, sem ser importunada. O Rafael viveu mais tranquilo no confinamento. Não precisava de estar com 20 e tal colegas dentro da mesma sala ou no barulho e confusão dos recreios. Tem amigos com quem está, de vez em quando, e que respeitam a sua preferência por estar sozinho.
O Rui gosta de jogar ténis com os colegas, mas muitas vezes aborrece-se na companhia de outras pessoas. Mais jovens sentirão algo semelhante, mas o Rui exprime-o de forma consciente e honesta, resistindo à tentação de dar uma resposta socialmente desejável. O que têm estes jovens em comum? Todos eles possuem traços de introversão e, por esse motivo, foi solicitada a intervenção da psicóloga por parte de adultos que os rodeiam.
Os extrovertidos são muito valorizados nas sociedades ocidentais e quem assim não se apresenta é por vezes levado a pensar que tem algo errado. É um enviesamento que interiorizamos desde cedo. Contudo, não há estilos certos/errados, ou bons/maus, ou melhores/piores. Ser extrovertido não é uma qualidade e ser introvertido não é um defeito!
O psicoterapeuta Carl Jung refere não existir um introvertido ou extrovertido puro, mas um contínuo onde cada um de nós se situa. E há ainda os ambivertidos, que têm o melhor dos dois mundos, sendo umas vezes mais reservados e outras mais expansivos: ora manifestam facilidade e necessidade em contactar com o outro, ora preferem trancar-se dentro do seu próprio mundo.
Susan Cain, autora do livro Quiet: The Power of Introverts in a World that Can’t Stop Talking defende a tese de que os introvertidos se sentem mais capazes, criativos e produtivos quando se encontram em ambientes calmos e sossegados. Para maximizar talentos, é importante que as pessoas sejam colocadas nos locais de estimulação mais adequados às suas características. Acontece que a maioria dos espaços escolares e de trabalho foram desenhados para extrovertidos. A pressão existe para valorizar a extroversão, em detrimento da introversão. Miúdos nas escolas que preferem trabalhar sozinhos são vistos como problemáticos/estranhos. No entanto, é tão importante para os introvertidos aprenderem competências para trabalharem em grupo como para os extrovertidos melhorarem competências para trabalharem sozinhos, autonomamente.
Fará sentido amputar o outro para que se ajuste ao meu modelo de perfeição, não o aceitando na sua essência? Ninguém escolhe ser introvertido ou extrovertido. Tentativas para alterar drasticamente estas características conduzem uma pessoa a não se aceitar como é, numa dimensão que nada tem de negativo na sua vida. Quanto mais privacidade, liberdade e autonomia for dada aos introvertidos para serem eles próprios, maior a probabilidade de eles contribuírem com soluções para problemas que afectam a humanidade. Então porque insistimos em os fazer sentir culpados?
Como diria Miguel Torga, “a gente entende pouco do semelhante. Cada um de nós é um enigma, que a maior parte das vezes fica por decifrar”. Nos introvertidos, esse enigma poderá ser ainda mais difícil de descortinar. A desvalorização da sua essência poderá conduzi-los a sentirem-se rejeitados, criticados, desapoiados e/ou incompreendidos, quando não mesmo maltratados e humilhados.
Há quem diga que uma gargalhada é a distância mais curta entre duas pessoas. Diria que sentir-se compreendido também. Por vezes os introvertidos têm a sorte de encontrar pessoas-âncora, que os amparam e seguram, e pessoas-hélio, que tornam a sua vida mais leve, não permitindo o naufrágio nos meandros sociais. Já tive a felicidade de me cruzar com miúdos e graúdos assim. São verdadeiros super-heróis que, por momentos, vestem a sua capa de luz para ajudarem os outros a respirar macio, no meio das suas tormentas.
Que bom é quando alguém oferece um dos bens mais preciosos que tem, o seu tempo, para chegar até ao outro, captando as subtilezas da sua essência, agarrando-lhe a alma, aquecendo-lhe o coração e confortando-o em momentos de escuridão! Que reparador é poder contar com a ajuda de pessoas que oferecem bilhetes para lugares onde cada um possa ser a melhor versão de si mesmo, ajudando a não deixar cristalizar os seus sonhos em naftalina! E todos podemos ser essa pessoa na vida de um introvertido! É bom lembrar que as pessoas influentes e carismáticas convencem melhor os outros, mas não têm necessariamente as melhores ideias. A humanidade não tem apenas uma tonalidade. Ela é feita de equilíbrios!