Ioga e a “dádiva da Índia para o mundo”
O ioga não é a única influência de origem indiana relacionada com a saúde e o bem-estar, também a ayurveda (sistema médico tradicional) e o vegetarianismo têm crescentes adeptos em todo o mundo.
A estrada movimentada que conduz ao centro de ioga da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, contrasta com a banda sonora de aves e sapos que, no interior, acompanha a prática milenar da “dádiva universal da Índia para o mundo”. Seis praticantes estão já em posição de início de aula, obedecendo ao distanciamento imposto pela covid-19. O silêncio é apenas descontinuado pelas instruções, em baixo volume, da professora.
A mestre Sandra Xavier, presidente da Confederação Portuguesa do Yoga (CPY), mostra o recinto, reaberto há dias, mal foi possível retomar a actividade física em grupo. O ioga é mais do que um desporto, é “uma filosofia de vida”, diz.
Nascida na Índia, país-prioridade do programa da presidência portuguesa da União Europeia (UE). Foi igualmente sob o comando de Portugal que, em 2000, se realizou, em Lisboa, a primeira cimeira UE-Índia. “A Índia guardava um grande conhecimento, uma grande sabedoria, que desde sempre interessou o resto do mundo” e que passava “apenas por via oral, de mestre para discípulo”, lembra Sandra Xavier.
Portugal, na sua relação de mais de 500 anos com a Índia, “foi beber esse conhecimento e trouxe-o para cá”, recorda, assinalando que o Dia Internacional do Ioga — idealizado por um mestre português e que começou a ser comemorado em 2002 — foi proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2014, com o apoio de 175 países. O dia, que começou por ser celebrado apenas em Portugal, é hoje assinalado, a 21 de Junho, em várias paragens, e Narendra Modi, actual primeiro-ministro indiano e yogi (praticante de yoga), endossou a data.
Hoje mais “popularizado”, o ioga, uma prática “física, mental e espiritual” que simboliza a união do corpo e da consciência, tem “grandes benefícios” para a saúde das pessoas em geral, “mas também para a construção de um mundo com fraternidade, amor, diálogo inter-religioso”, frisa Sandra Xavier.
“Estimamos que haja cerca de cem mil praticantes de ioga em Portugal [valor cumulativo desde meados dos anos 1980]”, refere, contabilizando uma centena de centros de treino no país. “Cada vez há mais, porque as pessoas precisam, sentem vontade, sentem necessidade da prática do ioga, dos benefícios que vimos que traz, principalmente no que diz respeito à grande redução do stress que ele proporciona, porque o stress é um grande debilitador do nosso sistema imunitário”, esclarece.
Com o ioga, diz, aprende-se a relaxar e dorme-se melhor, aumenta-se a flexibilidade, mas também a força. Alice Paulo, médica de 68 anos e praticante de ioga há mais de duas décadas, confirma. É “uma filosofia prática de vida” com “muitos benefícios para a saúde”, assegura.
“Sou uma pessoa que posso considerar saudável. Há anos que não sei o que é uma doença em mim (...), porque [o ioga] aumenta as defesas do sistema imunitário, equilibra o sistema endócrino também, e isso reflecte-se no corpo todo”. E acrescenta: “Era médica, trabalhava muito. E sou ainda e trabalho ainda. Mas tinha muitas urgências, era difícil o contacto com os utentes, a minha concentração, pelo cansaço, também não era muita.”
Com o ioga, diz, aumentou “a concentração, a intuição, o bem-estar, a harmonia” e conseguiu transmitir isso aos utentes. “Consigo, nas consultas que faço ainda, estar com calma e, mais importante, consigo transmitir essa calma aos utentes e percebê-los muito melhor do que percebia antes e isso é espectacular”, partilha.
“Alterou completamente a minha vida emocional, hormonal, fisiológica”, relata a também directora do departamento médico da CPY, exemplificando que nunca sentiu qualquer efeito da menopausa. “Prescrevo ioga a muita gente, a quase toda a gente”, diz.
Entre as várias iniciativas da CPY estão aulas gratuitas em universidades e secundárias, de norte e sul do país, para ajudar os estudantes a gerirem melhor o stress dos exames.
Sofia Severino é professora de ioga para crianças e acredita que esta prática pode ajudar os mais pequenos a lidar com as suas emoções e que tem tido “grandes resultados” para ultrapassar o “grande problema” da agressividade (bullying) em contexto escolar. “Infelizmente, devido ao nosso modo de vida cada vez mais agitado, podemos ver que as crianças, desde muito pequeninas, já sofrem muito de stress”, nota, enumerando alergias e dificuldades em dormir.
“O ioga vai ajudar as crianças a saber como manter uma higiene adequada no seu corpo, que vai ajudar a prevenir constipações” e “a promover um sono biológico mais recuperador”, refere, sublinhando ainda as vantagens ao nível da aprendizagem.
“O ioga promove um aproveitamento cada vez maior do cérebro, da nossa capacidade de concentração, e as crianças que praticam ioga conseguem efectivamente aprender de uma forma mais rápida, mais eficaz”, constata.
Segundo dados fornecidos pela CPY, no ano lectivo de 2019/2020, contabilizavam-se dez mil praticantes em 162 escolas, 147 das quais do 1.º ciclo no Porto.
A Confederação promete continuar a trabalhar para incluir nos currículos oficiais das escolas.
Contactado pela Lusa, o Ministério da Educação fez saber que “não há projecto de integração no currículo” escolar, mas que se tem verificado “a integração do ioga nas Actividades de Enriquecimento Curricular e em algumas ofertas de escola”.
O ioga não é a única influência de origem indiana relacionada com a saúde e o bem-estar, também a ayurveda (sistema médico tradicional) e o vegetarianismo têm crescentes adeptos em todo o mundo.