Equador descriminaliza aborto para todas as situações de violação
Até agora, o aborto só era permitido para casos em que a vítima sofria de uma “incapacidade mental”. O Equador é um dos países sul-americanos com mais adolescentes grávidas.
O Tribunal Constitucional equatoriano abriu o caminho para a despenalização do aborto para todos os casos de gravidez decorrente de violações sexuais. A decisão representa um grande avanço num país que tem uma das leis mais restritas de interrupção voluntária da gravidez na América Latina.
O Código Penal equatoriano prevê o aborto legal apenas para casos em que a gravidez seja “consequência da violação de uma mulher que sofra de uma incapacidade mental”. Sete dos nove juízes votaram a favor da declaração de inconstitucionalidade dessa norma, com o argumento de que é um tratamento discriminatório.
A deliberação lembra que a Constituição do país sul-americano reconhece o direito dos cidadãos de “tomar decisões livres, responsáveis e informadas sobre a sua saúde e vida reprodutiva”.
Os juízes responderam a um pedido de inconstitucionalidade da norma que regula o aborto apresentado por três organizações de defesa dos direitos reprodutivos.
A decisão foi celebrada por elementos destes grupos que se concentraram à entrada da sede do tribunal em Quito. A Coligação Nacional de Mulheres saudou um dia “histórico”, mas sublinhou que pretende continuar a lutar pela legalização do aborto em todas as circunstâncias.
A activista Lolo Miño disse, através do Twitter, que a sentença do Tribunal Constitucional representa “uma segunda oportunidade” para as “meninas e mulheres vítimas de violação no Equador”.
O activista anti-aborto Erwin Ronquillo criticou a decisão que disse não ter o apoio da maioria da população. “Perante uma violação enfrenta-se um drama humano e, assim que o facto está consumado, já existe um dano causado a uma pessoa. O Tribunal Constitucional, ao decidir como decidiu, está a dar uma pena de morte à vítima mais indefesa, tal como à mulher violada”, afirmou Ronquillo, citado pelo jornal equatoriano El Nacional.
Em 2019, a Assembleia Nacional chumbou uma reforma ao Código Penal que incluía a despenalização do aborto.
A flexibilização do aborto reflecte uma preocupação crescente com o grande número de violações sexuais de menores, muitas das quais ocorrem em contexto familiar e são frequentemente normalizadas. Entre 2008 e 2018, cerca de 20 mil meninas com menos de 14 anos, a idade de consentimento legal, ficaram grávidas, de acordo com os dados da Fundação Desafio. Na América do Sul, apenas a Venezuela regista um número mais elevado de gravidezes na adolescência.
No final de 2020, o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos condenou o Estado equatoriano a indemnizar a família de uma jovem de 16 anos que tinha sido abusada durante um ano por um professor, acabando por se suicidar, sem nunca ter havido uma condenação, recorda o El País.
O Presidente eleito, Guillermo Lasso, que, apesar de ser um conservador e católico praticante, necessitou de estabelecer uma aliança ampla com sectores progressistas para vencer as eleições deste mês, garantiu que pretende respeitar a decisão do Tribunal Constitucional. “O verdadeiro coração de um democrata vê-se em momentos como este, quando é capaz de respeitar a autoridade mesmo quando não está de acordo com ela”, afirmou.
Os direitos reprodutivos das mulheres têm conhecido vários progressos nos últimos anos na América Latina, onde a Igreja Católica e outras igrejas pentecostais conservadoras mantêm uma enorme influência social. Em Janeiro, a Argentina despenalizou o aborto até às 14 semanas de gravidez, tornando-se no primeiro grande país da região a fazê-lo. No continente, o aborto é legal apenas em Cuba, Uruguai, Guiana e Guiana Francesa, para além de Oaxaca e Cidade do México.