Tropas da Eritreia continuam em Tigré, denuncia a ONU
“O conflito não acabou”, afirma o responsável pela ajuda humanitária das Nações Unidas, desmentindo a retirada anunciada em Março pelo primeiro-ministro etíope.
O líder da ajuda humanitária das Nações Unidas, Mark Lowcock, apelou ao Conselho de Segurança da ONU, reunido na quinta-feira à porta fechada, para quebrar o silêncio em relação à violência que assola a região de Tigré, no norte da Etiópia. O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, anunciou no final de Março a retirada das tropas eritreias, mas Lowcock diz ter indícios que provam o contrário.
“Para ser bem claro: o conflito ainda não acabou e a situação não está a melhorar”, disse Lowcock, de acordo com as notas da sessão privada citadas pela Reuters. “Nem a ONU, nem qualquer outra agência humanitária no terreno, viram provas da retirada eritreia”, acrescentou o secretário-geral adjunto das Nações Unidas responsável pelos assuntos humanitários. Ao invés, os militares eritreus começaram a vestir o uniforme etíope e a matar indiscriminadamente civis, disse o responsável da ONU, citado pelo New York Times.
O Conselho de Segurança discutiu a crise humanitária em Tigré pela quinta vez desde o início do conflito, em Novembro, mas ainda ser dar frutos: falta acordar uma declaração conjunta para condenar a violência e apelar à manutenção da paz e segurança na região.
“A população de Tigré tem descrito repetidamente o sentimento de abandono, não apenas por parte do Governo, mas também do mundo”, declarou Laetitia Bader, responsável da Human Rights Watch para o Corno de África.
O apelo é partilhado pela embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield, que pediu ao Conselho de Segurança para “reconsiderar uma declaração sobre a Etiópia”, porque as “vítimas precisam de saber que o Conselho de Segurança se preocupa com o conflito”. Por sua vez, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, apelou à retirada das tropas eritreias e ao fim da “limpeza étnica”.
Crise humanitária em deterioração
O conflito que deflagrou em Novembro entre o Governo etíope e a Frente de Libertação do Povo de Tigré, na sequência da realização de eleições regionais à revelia de Ahmed, desencadeou a perseguição aos líderes políticos locais, reavivando tensões passadas. Militares eritreus entraram na região em auxílio do Governo de Ahmed - que só admitiu a intervenção meses mais tarde -, intensificando a violência contra a população. Milhares de pessoas foram mortas e milhões foram obrigados a fugir.
Vários tipos de atrocidades perpetuadas pelas tropas eritreias contra civis têm sido denunciadas e quase um terço envolvem abusos sexuais – segundo a Reuters, pelo menos 829 casos de abusos sexuais foram reportados em cinco hospitais desde o início do conflito. As vítimas mais novas tinham oito anos.
“Não há dúvida de que a violência sexual está a ser usada neste conflito como uma arma de guerra”, disse o representante humanitário da ONU, denunciando os autores dos crimes de todos os lados do conflito.
A crise humanitária persiste, e a ajuda internacional tem enfrentado desafios para conseguir chegar à população. Pelo menos 150 pessoas morreram recentemente à fome numa localidade a sul da capital da região, Mekelle, o que Lowcock classifica como outra “arma de guerra” e uma “violação” dos direitos humanos.