Benita Prieto põe as crianças a ler com a ponta dos dedos
Os livros digitais não têm de concorrer com os livros em papel. Podem conviver alegremente e ajudar a conquistar novos leitores. Hoje é Dia Internacional do Livro Infantil — em qualquer suporte.
Ponto prévio: os livros digitais não são meros e-books, com PDF de texto corrido. São narrativas criadas especificamente para o ecrã, a pensar na interactividade, no som, na animação, nos jogos e na exploração de recursos didácticos. “As possibilidades de criação são ilimitadas”, não se trata de utilizar efeitos especiais de forma gratuita. Quem o diz desde 2012 é Benita Prieto, contadora de histórias e especialista em Literatura Infantil e Juvenil e em Leitura.
Brasileira, do Rio de Janeiro, e recentemente a viver em Portugal, a também produtora e mediadora de projectos de leitura diz ao PÚBLICO: “A literatura construída para o mundo digital fascina-me. Esses novos objectos literários, livros aplicativos, ficção digital ou todos os nomes que têm sido usados para designar essas narrativas contemporâneas criam as formas de ler no século XXI.” E não tem dúvidas: “Para fruir essas histórias, é importante despojarmo-nos dos preconceitos e entender que não há uma competição entre o livro em papel e o digital.”
“Falta produção em língua portuguesa”
Orientadora de oficinas, a que chamou “Literacia digital para famílias — Ler com a ponta dos dedos”, em várias bibliotecas e em encontros literários em Portugal, diz da sua experiência: “As crianças e os jovens têm navegado por todos os suportes e conseguem definir onde se sentem mais à vontade para fazer as suas leituras.”
Nessas oficinas em família (ministradas nomeadamente nas bibliotecas municipais de Oeiras, Alenquer e Torres Vedras), ensinam-se noções básicas de leitura digital, explica-se o que são e-books ou livros electrónicos e dá-se a conhecer as diferenças entre os diversos equipamentos digitais actuais. Há ainda ocasião para se falar acerca de leitura linear e não linear, reflectir sobre livros em papel versus livro digital e também mostrar aplicações (app) de leitura digital, explorando exemplos diversos. No final, promovem-se actividades de leitura e escrita usando os equipamentos digitais.
Para Benita Prieto, também contadora de histórias, “é importante entender que, para esse mercado crescer e termos materiais virtuais óptimos, precisamos de que haja consumo”. E lembra que, “nos EUA e nos países asiáticos, isso já é uma realidade”. No caso português, revela que existe “um maravilhoso local de pesquisa, que tem atraído muito investigadores brasileiros: o doutoramento em Materialidades da Literatura, na Universidade de Coimbra”. No entanto, lamenta, “falta produção em língua portuguesa”.
Fascínio por Sidónio Muralha
A sua descoberta da literatura infantil e juvenil portuguesa foi acontecendo aos poucos: “A princípio, vindo ao país a convite do Palavras Andarilhas, Caminhos de Leitura e pela Rede de Bibliotecas Escolares. Assim descobri António Torrado, Alice Vieira, Luísa Ducla Soares, José Fanha, António Mota, José Jorge Letria. Uma geração de ouro com extrema qualidade nas suas publicações. Agora, vivendo por aqui, vou ampliando as minhas leituras, pois infelizmente existe pouco intercâmbio entre os nossos países sobre essa literatura.”
Sobre autores mais recentes, de texto e de ilustração, tem-se surpreendido com nomes como “Afonso Cruz, Cristina Taquelim, Jorge Serafim, Eugénio Roda, Catarina Sobral, Paulo Galindro, Margarida Botelho, Gémeo Luís, Isabel Minhós Martins, André da Loba, André Letria, apenas para citar alguns”. Diz também ter vindo “a acompanhar como as editoras portuguesas têm sido premiadas internacionalmente pela excelência das edições”. E acrescenta: “Adoro os livros de capa dura, que é uma prática em Portugal.”
Há, no entanto, uma descoberta que a fascinou: “A maior surpresa de todas foi ler a obra de Sidónio Muralha. Estou tão apaixonada que criámos o projecto Para Todas as Crianças da Terra, um espectáculo de poesias e músicas, para a primeira infância.” Lembra ainda: “Sidónio tem uma importância gigante tanto em Portugal quanto no Brasil, onde revolucionou a forma do livro infantil e juvenil, além de ter feito a primeira edição de Ou Isto ou Aquilo, de Cecília Meireles, pela sua editora Giroflê.”
Passa Palavra e Reconto – Cada qual no seu Recanto
Desde que a pandemia nos obrigou a sucessivos confinamentos, Benita Prieto só contou histórias presencialmente duas vezes: no Passa Palavra em Oeiras e na Biblioteca de Seixal. “Tem sido muito difícil para os artistas fazer o trabalho sem olhar o público. Daí fui convidada para participar da curadoria do projecto, na Internet, Reconto – Cada qual no seu Recanto. Já vamos para a oitava edição, sempre uma vez por mês, onde o público durante três horas ouve histórias, músicas, leituras. Tudo com muita interacção.” Mas não é a mesma coisa, diz a coordenadora da Rede Internacional de Cuentacuentos e presidente da Ações & Conexões — Associação Cultural de Portugal.
Numa parceria com Maria José Vitorino e Tâmara Bezerra, será lançado o projecto “Leituras Mediadas — Laboratório de mediação de leituras, um local de formação na Internet que reúne especialistas brasileiros e portugueses em torno da literatura infantil e juvenil”.
A música das palavras
O Dia Internacional do Livro Infantil comemora-se a 2 de Abril, data de nascimento do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, e pretende chamar a atenção para a importância da leitura e para o papel fundamental dos livros para a infância.
Todos os anos, o International Board on Books for Young People atribui a um país a responsabilidade de divulgar um texto sobre literatura para a infância. Este ano, o país escolhido foi os Estados Unidos da América e a escritora cubano-americana Margarita Engle escreveu o poema “A música das palavras”.
Em Portugal, a Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas encarrega-se da tradução para português do texto publicado e disponibiliza ainda um cartaz desenhado pelo vencedor do Prémio Nacional de Ilustração do ano anterior. Bernardo P. Carvalho assina o de 2021.