Para estes quatro portugueses, Lofoten passou de um sonho de Instagram a documentário

Lofoten: Dos 15º aos -15º é um filme de Edgar Félix de uma viagem no Inverno da Noruega que só podia ter sido feita com este grupo de amigos. “Se calhar fomos mais felizes dentro da carrinha do que fora até”.

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Lofoten: Dos 15º aos -15º

Uma autocaravana branca a percorrer um cenário branco, atravessando os nevões do Inverno norueguês. Vamos à boleia — lugar de janela, por favor — de Lofoten: Dos 15º aos -15º sem estarmos totalmente preparados para o dramatismo das montanhas e dos picos, do mar aberto e gelado, das baías e das terras intocadas.

Março de 2020. Com mais ou menos filtros, o mundo ainda era o mundo que nos chegava através do Instagram, a plataforma que nos aproxima e nos afasta e que nos coloca na ponta dos dedos os sítios do planeta que mais sonhamos pisar. Não eram conhecidos casos de covid-19 em Portugal quando os quatro amigos levantaram voo. Fechamo-nos todos em casa pouco depois de aterrarem sensivelmente dez dias depois, muito frio depois, interacções muito fortes, vivências e dúvidas que procuraram deixar num documentário de meia hora (aluguer disponível no Vimeo, 4,5 euros por 24 horas).

“Como é afectado o momento de criar conteúdo com a presença inevitável das redes sociais? De que forma o retorno obtido nos seguidores influencia o comportamento e a forma de viajar?” Lá dentro, na autocaravana branca ("o meio de transporte que nos dá mais liberdade; adormecemos e acordamos no sítio que queremos; de que outra forma seria impossível abrir a porta e estar num lago com o reflexo de um fiorde?”), engolida pelas baixas temperaturas, não se encontram respostas. Alguém diz “única é a experiência”. E os quatro procuram “criar em vez de recriar” os instas que à distância foram guardando. Sentem algum “egoísmo” por estarem a ver coisas bonitas que transformam em memórias.

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Edgar Félix, João Félix, Pedro Lopes e Rui Gaiola. Não podia ser outro grupo. Tinha que ser este. “Gostamos dos mesmos destinos e do mesmo tipo de viagem. Por isso é que já viajamos há uns anos e as coisas funcionam bem”, lembra Rui. Natureza, montanha, frio, ponto de fuga. “Sintonia”, sublinha Edgar, realizador de um filme que conta com contributos de todos. “Esta viagem nunca podia ser a nossa primeira viagem”. Juntos, vão calcorreando alguns recantos de Portugal e já tinham inspirado o ar dos Picos da Europa. As ilhas Lofoten — pé de lince — estavam na lista sem fim. Marcaram e foram. E não foram à procura de pessoas, explicam estes exploradores, habituados a fotografarem e a filmarem casamentos, planos cheios — de gente, de poses, de maquilhagem, de palavras, de gestos, de brindes e de copos de água.

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Lofoten. O dia mais importante das suas vidas pode muito bem ser este. “Sentir sem ter que explicar”, resume à Fugas — numa sala Zoom que podia ser a mesa no interior da autocaravana — Pedro, que já tinha estado na Noruega como guia e fotógrafo de auroras boreais. “As melhores nunca fotografei, só as vi”, sorri. “Uma perfeição. Parece planeado por um grande arquitecto paisagista”, assinala Rui, enquanto lhe passam pela cabeça, drone ao alto, os 2300 quilómetros desta viagem até ao fim do arquipélago, desde Tromso a Å, passando ao de leve por Stokmarknes, Svolvær, Henningsvær, Nusfjord, Hamnoy, Reine e Senja. “Uma realidade muito diferente da que temos”, diz João. “O mais desafiante foi a nossa relação”, junta Edgar, quase sempre o homem atrás da câmara de filmar. “Nunca vêem nada meu. Normalmente está tudo em discos. E as viagens não perdem encanto por não se materializarem em frames por segundo”.

Esta sim. Materializou-se o vento agreste, o frio que esbarra nos fiordes, a água que congelou nos tubos da autocaravana, a terra que a ajudou a desatolar da neve e o clima que atrai pessoas que viajam em direcção ao frio, sem “palmeiras, água quente e água de coco”. “As pessoas querem ir para Ibiza, não querem sentir as pontas dos pés frias. É muito mais fixe beber um chocolate quente na neve do que uma água de coco na praia”, confirma João.

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Às tantas puxa-se a corda Instagram vs zonas intocadas, que depois do Instagram, deixam de ser intocadas — quase como o clima que altera a paisagem. Sente-se a pressão de criar conteúdos para as redes. “Está a saber-me bem. Relaxo, gosto. Estou muito mais entusiasmado pela viagem do que em fazer aquele plano. Depois, em casa, quero ver o plano. Isto aconteceu mesmo! Impagável!”, aponta @edgarfelixvideos. “Se estou num sítio bonito, gosto de fazer uma fotografia bonita. Mas se se tornar demasiado obsessivo, deixamos de viver as viagens”, questiona @joaopedrofelix_. “Se não fosse o Instagram não tinha ganho este gosto por Lofoten”, alega @birdcageliving. “É um vício ver coisas bonitas. Não é pela fotografia. Subi ali pela sensação. Estar ali para mim chega”, remata @pedroluzelobos.

Se a viagem Lofoten: Dos 15º aos -15º foi muito importante para conhecer as paisagens de sonho, muito mais decisivo foi ao nível do auto conhecimento. “O facto de estarmos em contacto uns com os outros pode ser um pouco sufocante. Mas aprendemos a lidar com aquilo que temos de melhor e aquilo que temos de menos bom”, lembra João. “Há alturas que estamos verdadeiramente felizes. Há momentos em que olhamos uns para os outros e não é preciso dizer nada”, junta Edgar. Pedro Lopes resume assim esta aventura: “Se calhar fomos mais felizes dentro da carrinha do que fora até”.

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