World Press Photo

Na Polónia, as crianças praticam “obediência, coragem e patriotismo” de arma na mão

"O líder do campo gritou 'granada!' e todas as crianças caíram no chão." Na Polónia, os campos de treino militar para crianças estão novamente em voga. A fotógrafa Natalia Kepesz registou o que se passa no interior – e a sua série, Niewybuch, está entre os nomeados da presente edição do World Press Photo.

©Natalia Kepesz
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©Natalia Kepesz

E as crianças marchavam como soldados em direcção ao campo de treinos, no meio da floresta, em Gdansk, na Polónia. Em uniformes militares, com réplicas de armas de fogo nas mãos e mochilas cheias de mantimentos às costas, elas olhavam em volta, em silêncio e em alerta, preparando-se para a eventualidade de uma emboscada inimiga. De repente, o líder do campo gritou "granada!". "E todas as crianças caíram no chão, fingindo que uma granada real tinha sido lançada", narra a fotógrafa Natalia Kepesz, em entrevista ao P3. "Uma menina de oito anos, assustada, pergunta: 'Porque é que não explodiu?' e um rapaz de 11 anos, entre risos, responde 'falso alarme'."

As organizações militaristas para crianças, como escolas, clubes e campos de férias militares, são bastante populares na Polónia. "Existem, no país, há cerca de um século", refere a fotógrafa polaca na sinopse da série Niewybuch, que está nomeada para o prémio da presente edição do concurso World Press Photo, na categoria de Retrato. "Nos campos de treino, crianças e jovens são colocados à prova, física e psicologicamente, e recebem formação – muitas vezes em antigos campos de treino militar polacos – sobre tácticas de guerra, técnicas de sobrevivência, autodefesa e orientação geográfica", descreve Natalia. "Aprendem a disparar armas de pressão de ar que são réplicas de metralhadoras e lança-granadas." Os campos são publicitados como "oportunidades de aventura e diversão", como "lugares onde se forma o carácter e se encoraja o trabalho em equipa". Mas serão apenas isso? "Se, por um lado, quem organiza estes campos acredita que os jogos com réplicas de armas afasta as crianças das armas reais", explica a fotógrafa, "por outro há quem sugira que a popularidade destes campos esteja relacionada com o crescimento do nacionalismo na Polónia, e, em particular, com a chegada ao poder, em 2015, do Partido Lei e Justiça, de extrema-direita populista."

Natalia Kepesz visitou, ao longo de 2020, três campos deste género: um na costa polaca, durante o Verão, outro em Gdansk, no Outono, e, por último, uma escola secundária militar. "No primeiro campo, fiquei surpreendida com o programa que era oferecido às crianças", explica em entrevista. "Um dos exercícios, em particular, ficou gravado na minha memória. No segundo dia, as crianças foram divididas em dois grupos: soldados e terroristas. Os 'terroristas' barricaram-se na casa principal. As crianças mais pequenas foram mascaradas de vítimas [com sangue sobre o corpo e roupas, como pode ver-se na imagem 4 desta fotogaleria] e colocadas, inertes, nos corredores. Os 'soldados' teriam, então, de libertar a casa." O jogo durou todo o dia. "E as crianças assumiram os seus papéis de forma muito séria."

Quais os efeitos, a curto e longo prazo, deste tipo de exercícios sobre as crianças e jovens? "Nessas idades, eles não sabem defender-se e são facilmente influenciáveis", sublinha Natalia. "Os jogos militares terão, certamente, impacto sobre eles, mas creio que esse só se tornará evidente no futuro. Quando as crianças brincam à guerra desta forma, não podemos dizer que estão apenas a ser crianças." De qualquer modo, a fotógrafa não aponta o dedo aos líderes ou treinadores destes campos. "Não posso acusá-los de, deliberadamente, manipularem os pequenos. Muitos julgam que é um jogo inofensivo, que as crianças vivem aventuras, aprendem alguma disciplina. Não existe reflexão sobre o tema, que acaba por ser menosprezado."

O problema virá mais tarde, crê. "Diria que este fenómeno é apenas um reflexo de uma realidade política particular. Mas eu sou apenas fotógrafa e o meu objectivo é levantar questões, não respondê-las." Quando abandonou a Polónia em direcção à Alemanha, em 2002, estas organizações militaristas não eram populares. "Eram tempos muito diferentes", recorda. "Vivia-se num ambiente de liberdade, de abertura." O cenário parece ter-se invertido. "As mudanças políticas que ocorreram na Polónia, nos últimos anos, preocupam-me."

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