Catarina Martins: “É muito estranho” ver o PS “recorrer ao TC para cortar apoios sociais”

Coordenadora do Bloco vinca que o Parlamento se limitou a corrigir o diploma do Governo pelas regras que este tinha anunciado inicialmente: que os apoios seriam iguais aos aprovados em 2020, em que os critérios comparavam os rendimentos durante a pandemia com os anteriores (de 2019).

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Catarina Martins (Bloco de Esquerda) LUSA/RODRIGO ANTUNES

A líder do Bloco de Esquerda contra-atacou nesta segunda-feira o PS dizendo que considera “muito estranho” que o PS “recorra ao Tribunal Constitucional para cortar apoios sociais”, no caso do diploma que o Presidente da República promulgou neste domingo e que prevê uma nova forma de cálculo para os apoios aos trabalhadores cujas actividades foram encerradas por decreto e o reforço dos apoios aos pais em teletrabalho. Catarina Martins também pediu celeridade ao Governo para que as pessoas possam começar a receber o mais depressa possível.

A coordenadora bloquista reagia assim à posição de braço-de-ferro do Governo que já prometeu recorrer ao TC para declarar estas medidas inconstitucionais alegando que violam a lei-travão que impede o Parlamento de aumentar a despesa pública durante a execução do orçamento em vigor. 

Não sei o que o Governo irá fazer, mas não deixo de notar com estranheza que o PS se proponha recorrer ao Tribunal Constitucional para cortar apoios sociais. Lembro-me do tempo, durante a troika, em que o BE, com o PS, foi ao Tribunal Constitucional (TC) para garantir apoios sociais às vítimas da crise. É muito estranho que queira agora fazer exactamente o contrário”, afirmou em conferência de imprensa na sede do partido. Mesmo que o Governo recorra ao TC, esse pedido de fiscalização não tem efeitos suspensivos.

Catarina Martins defendeu que agora é importante que o Governo faça tudo para que estes apoios “cheguem o quanto antes às pessoas que dele precisam” por terem a sua actividade” cancelada ou suspensa pela pandemia e que precisam desta solidariedade nacional”. A urgência prende-se com o facto de as medidas não terem aplicação retroactiva. A líder bloquista congratulou-se com a promulgação, mas lamentou que tenha demorado tanto tempo, uma vez que o diploma foi aprovado no Parlamento no dia 3 deste mês.

Actualmente há 130 mil pessoas a beneficiar do apoio para trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual, universo que esta revisão da lei permitirá alargar, mas sem que se saiba exactamente quantas pessoas abrangerá. Estima-se que o montante mensal destes novos apoios seja de cerca de 38 milhões de euros, mas Catarina Martins recordou que só serão concedidos durante o tempo em que as actividades forem alvo de algumas restrições e o plano de desconfinamento já está a ser aplicado - dando até um remoque ao Presidente da República por ter tido o diploma em Belém desde dia 18. E, olhando só para os números e para o argumento da norma-travão e da falta de dinheiro, lembrou de imediato que os 110 milhões de euros por imposto de selo da venda de barragens não cobrados ainda à EDP dariam para três meses deste apoio.

A dirigente do BE defendeu que ao aprovar estes apoios que compensam a perda de rendimentos, o Parlamento se limitou a concretizar uma medida que tinha sido anunciada pelo Governo já depois de aprovado o Orçamento do Estado mas que depois, quando a colocou por escrito, fê-lo com regras diferentes das que prometera. Ou seja, para fazer as contas para os apoios comparava rendimentos de 2021 com os de 2020, com o país já em pandemia e com as restrições económicas, quando o Governo prometera que iria aprovar apoios iguais aos que lançou no ano passado, em que comparava rendimentos de 2020 (em pandemia) com os de 2019.

Catarina Martins defendeu, por isso, que o Orçamento do Estado para este ano “foi feito com essa folga” e até deu autorização ao ministro das Finanças para “alterar verbas de um lado para o outro para poder ir respondendo à pandemia” sem que haja prazos para ela terminar. 

Partidos no fórum

No fórum TSF, hoje dedicado ao assunto, o deputado João Oliveira, do PCP, insistiu que os apoios sociais agora promulgados “não são excentricidades ou extravagâncias”, mas sim necessidades criadas pelo novo confinamento decretado pelo Governo. “Tendo-se repetido o confinamento, estas medidas tinham de ser consideradas”, defendeu o comunista, considerando que “ninguém compreenderia que o Governo andasse a cortar apoios para poupar no défice”, sobretudo numa altura em que há notícias de mais uma injecção de centenas de milhões de euros no Novo Banco.

João Oliveira pede ao Governo “que dê cumprimento à decisão do Presidente da República em vez de andar a recorrer ao Tribunal Constitucional”. E sobre uma eventual crise política, o líder da bancada do PCP, regista que “se o Governo cumprir os apoios”, ela não surgirá no horizonte. “Só pode concretizar-se a crise política se o Governo não quiser dar resposta às necessidades e aos interesses das pessoas”.

No mesmo programa radiofónico, a deputada do PSD Clara Marques Mendes também lembrou que estes apoios são necessários por causa da situação de “excepcionalidade” que o país está a atravessar. “O Governo deixou muitas pessoas para trás, por isso é que isto aconteceu”, registou a parlamentar para quem, perante a inacção do executivo teve de ser o Parlamento a actuar. “O Governo vai ter de tomar uma decisão: se quer estar ao das pessoas ou se não quer estar ao lado das pessoas.”

A social-democrata lembrou depois que “já em Abril de 2020 ocorreram situações como esta e nem o PS nem o Governo levantaram a questão” e assegurou que o desejo do PSD é que os apoios “cheguem depressa às pessoas”. “Quem tem de mudar de atitude é o Governo”, acrescentou.

Também o PAN foi ouvido no fórum, onde a deputada Inês de Sousa Real começou por criticar as “borlas fiscais” que são dadas a empresas como a TAP e a EDP e os 598 milhões de euros que estão em causa para o Novo Banco, quando estes apoios andam em torno dos 38 a 40 milhões. “É mais do que razoável e da maior justiça social que os apoios cheguem onde são mais necessários”, disse.

A líder parlamentar do PAN também deixou alguns recados ao executivo de minoria: “tem de construir pontes de diálogo"; “tem de ir ao encontro da Assembleia da República"; “tem de ter capacidade e humildade de conversar com as outras forças políticas”.

Este último ponto foi algo igualmente sublinhado pelo deputado João Almeida, do CDS. “Para aprovar medidas no Parlamento, o Governo tem de dialogar”, disse o centrista. O CDS considerou que a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa “foi acertada e não podia ser outra” porque se trata de “apoios essenciais”. “O que não se compreende é a insistência do Governo em recusar este tipo de apoios. Devia ser ele a propô-los e não andar este braço-de-ferro”, recomendou.

No Parlamento, André Ventura congratulou-se com o facto de o Presidente não ter cedido às pressões do Governo e lamentou que este continue a “bloquear” os apoios que deviam chegar à economia e a fugir à promessa de não deixar ninguém para trás. O deputado do Chega diz que a ameaça de ir ao TC mostra que o Executivo está de “cabeça perdida” e “cada vez mais isolado”, antevendo “tempos políticos sombrios”.

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