Arquivada averiguação a procuradoras que mandaram vigiar jornalistas
“Comportamento das magistradas é susceptível de consubstanciar violação do dever funcional do exercício das funções no respeito pela Constituição”, escreveu jurista Maria João Antunes, que votou vencida.
O Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) arquivou, com dois votos contra, o processo de averiguações aberto a duas procuradoras do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa que mandaram a PSP vigiar dois jornalistas, por considerar que não violaram deveres funcionais.
Contra o arquivamento votaram dois membros deste órgão que superintende aos procuradores: a professora Maria João Antunes, designada para o CSMP pela ministra da Justiça, e José Manuel Mesquita, eleita pela Assembleia da República. Outro membro igualmente designado pelos deputados, Brigite Gonçalves, absteve-se, tendo revelado também dúvidas sobre a legitimidade da actuação das duas magistradas.
Entre outros argumentos, Maria João Antunes refere, na sua declaração de voto, que entender que “o comportamento das duas magistradas é susceptível de consubstanciar violação do dever funcional do exercício das funções no respeito pela Constituição e pela lei, sem prejuízo de concluir, no que se refere às vigilâncias policiais com registo de imagem, que o processo de averiguações deve ser arquivado, por prescrição da infracção disciplinar”. A penalista tem mesmo dúvidas de que as fotografias que a PSP tirou ao jornalista possam ser usadas como meio de prova: “A vigilância policial com registo de imagem é um meio oculto de investigação sem previsão expressa no Código de Processo Penal (...) É um meio processual relativamente ao qual há dúvidas legítimas quanto à sua admissibilidade”.
Já José Manuel Mesquita entende que o CSMP deveria ter proposto à procuradora-geral da República a ponderação da emissão de uma directiva que determinasse a necessidade de se obter cobertura judicial - a autorização de um juiz - sempre que se ordenem vigilâncias policiais que impliquem a captação de imagens.
Em Janeiro, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, decidiu mandar averiguar se a actuação das magistradas Andrea Marques e Fernanda Pego, esta última na qualidade de directora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, era passível de infracção disciplinar no caso em que os jornalistas Carlos Rodrigues Lima, da revista Sábado, e Henrique Machado, ex-correio da Manhã e actualmente na TVI, foram vigiados pela polícia.
A procuradora Andrea Marques instaurou, em 2018, um inquérito para apurar fugas de informação no processo E-toupeira, tendo constituído arguidos o coordenador superior da Polícia Judiciária Pedro Fonseca e os dois jornalistas, no pressuposto de que o primeiro tinha passado informações confidenciais aos segundos. E pediu vigilância policial para os dois jornalistas, bem como o levantamento do sigilo bancário de um deles, tendo as diligências tido o aval pela directora do departamento, Fernanda Pego.