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Martina fotografa a intimidade e a energia dos corpos nas noites “desfocadas” do coração da Europa
Silence is Sexy, da fotógrafa italiana Martina Cierese, é uma obra de formato híbrido. Páginas cheias de palavras manuscritas, desenhos e fotografias descrevem o quotidiano de uma mulher cujo estilo de vida, nas suas palavras, “tem limites tão desfocados como as noites de Berlim”.
Primavera de 2015. Antes de sair de casa, Martina Cirese engoliu uma chávena inteira de café, colocou a câmara fotográfica na carteira e mergulhou na noite de Berlim. “Ao chegar ao local da festa, percebi que estava a entrar num clube de sexo pela primeira vez.” O seu vestido preto, “demasiado clássico, elegante”, não impressionou os porteiros, que lhe pediram “mais amor” para a próxima visita. A câmara e o telefone ficaram à porta, mas Martina entrou. “Hoje sei que existe um ‘antes’ e um ‘depois’ daquela noite”, conta a artista italiana ao P3, em entrevista.
Passou o hall de entrada e olhou em volta. “Um casal na casa dos 60, totalmente despido, bebia um cocktail num bar cheio de gente que parecia saída de um episódio de Twin Peaks ou de um filme de Fellini. A atmosfera era escura e, ao mesmo tempo, festiva.” Naquela noite, não fotografou, mas tudo mudou. “É impossível categorizar as pessoas que conheci a partir daquele dia”, refere. O seu diário, que combina fotografia, texto e desenho – que intitula Silence is Sexy e partilha com o P3 –, não revela apenas retratos de pessoas que encontrou em clubes de sexo. Inclui também instantâneos de encontros que decorreram à luz do dia, “igualmente inspiradores”.
Aos 26 anos, Martina vivia um período que apelida de “Linha de Sombra”, em referência ao romance de Joseph Conrad. “O final da juventude, a transição para a idade adulta”, esclarece. “Mudei-me para Berlim para distanciar-me de uma relação visceral e asfixiante. Queria descobrir o que eu queria realmente.” Terminou o relacionamento e embarcou numa viagem de autoconhecimento. “Senti necessidade de questionar tudo: os meus hábitos, a minha educação, os meus princípios tornaram-se um peso. Por isso, prendi a minha mente e segui o meu instinto.”
Abriu, assim, espaço na sua vida para conhecer pessoas que se negavam a qualquer tipo de rótulo, “pessoas que colocavam a si mesmas as mesmas perguntas” que Martina. “E eu pegava em algumas das respostas que ouvia e levava-as ao extremo. Senti de imediato que queria ouvir. Aproximar-me. E escrever, desenhar, fotografar...”
Silence is Sexy é uma obra de formato híbrido. Páginas cheias de palavras manuscritas, desenhos e fotografias descrevem o quotidiano de uma mulher cujo estilo de vida, nas suas palavras, “tem limites tão desfocados como as noites de Berlim”, a cidade onde, pela primeira vez na vida, agarrou a liberdade. “Permiti-me dançar livremente, desfrutar do meu corpo enquanto era engolido pela música e sentir-me parte de um corpo colectivo de fascinantes estranhos. New wave, techno até ser dia, salas escuras cheias de fumo onde me imergia perdendo de vista as horas”, recorda.
Cirese levanta a cortina sobre os bastidores do retrato de Tim e Luka, assíduos do clube de sexo que visitou em 2015, para dar a conhecer um pouco do seu processo criativo – que, afiança, é irregular, pouco previsível. “Encontrámo-nos diversas vezes na pista de dança, de noite, e depois nos dias seguintes junto à piscina, a fumar cigarros e a descontrair.” Tim e Luka tinham-se conhecido há pouco tempo quando a fotógrafa fez o seu retrato. “Ela era filipina, ele croata. Eu observava-os enquanto dançavam e senti-me atraída pela forma como os seus corpos se encaixavam.” Martina disse-lhes que queria fotografá-los e marcaram um encontro.
“Era Verão, estava quente e havia um colchão no chão – fotografei-os enquanto se beijavam, enquanto brincavam, enquanto se desejavam.” Foi a primeira vez que fotografou um casal na sua intimidade. “Enquanto se despiam, descobri que Tim é transgénero e fiquei fascinada pela forma como habita o seu corpo. Ela diz-me que veio para Berlim por ser ‘o local onde queria experienciar ser humana’.” A partir desse momento, Martina nunca parou de fotografar pessoas e os seus relacionamentos. O projecto mantém-se em desenvolvimento. “Quero captar essa ligação única e as energias que são libertadas no encontro dos seus corpos.”
A fotógrafa, cujo trabalho já conheceu publicação no The Guardian, na Time e na National Geographic, vive em Paris desde 2017. Continua a fotografar. “Hoje percebo que Berlim foi apenas o início”, conclui. “Os clubes onde caía, as pessoas que conheci, a música e o cheiro que senti na minha pele nos primeiros meses numa nova metrópole… É possível sentir tudo isso de novo e abrir portas para outros lugares. Uma lição que ficou comigo desde então.”