Vem aí o Hell’s Kitchen à portuguesa com o chef Ljubomir, “um duro de coração mole”

Um inferno na cozinha estreia-se em tempos infernais para os restaurantes. A competição culinária entra na ementa da SIC para aquecer os serões de domingo a partir de 14 de Março, sob a pressão do chef do 100 Maneiras. Como será este Hell’s Kitchen produzido em dias de pandemia?

Foto
Hell's Kitchen estreia-se a 14 de Março SIC/Shine Iberia

Tudo começa com a submissão de um “prato de assinatura” ao chef, confeccionado e empratado em apenas três quartos de hora. A partir daqui, é o inferno na cozinha – ou Hell’s Kitchen, a competição culinária em modo reality-show, numa versão portuguesa com Ljubomir Stanisic aos comandos. Adjectivos como “explosivo”, “intenso” ou “irreverente” anunciam aquele que é um dos pratos principais da programação da SIC. Mas, na conferência de imprensa que decorreu esta sexta-feira de manhã, ao lado de Daniel Oliveira, director de programas da SIC, Ljubomir preferiu outros termos: “tensão, emoção, paixão”.

As gravações começaram no final de Dezembro e, a julgar pelas primeiras imagens (captadas num cenário em larga escala em que só a cozinha tem mais de mil metros quadrados), a produção portuguesa em nada fica a dever ao formato popularizado no Reino Unido e sobretudo nos EUA (que tem sido exibido pela SIC Radical), com o chef britânico Gordon Ramsay como anfitrião – e do qual se aguarda este ano um programa gravado em Portugal. A receita teve tal sucesso que se repetiu num total de 19 temporadas e teve réplicas em vários países, como Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Ucrânia, Polónia ou Itália. 

No Hell’s Kitchen luso, uma grande diferença em relação ao original é que, apesar de serem filmados a toda a hora na cozinha, os concorrentes não ficam sujeitos ao voyeurismo das câmaras nos dormitórios, excepto para algum apontamento de reportagem. Por força da pandemia, ficam alojados (e fechados) numa casa enquanto participam no concurso. Tudo somado, mantém-se sobre eles a pressão do isolamento (que começou, aliás, antes do arranque do programa, como medida de prevenção). Ainda assim, há um espaço de convívio no estúdio para as equipas. Têm direito “ao conforto ao máximo porque também levam castigo ao máximo”, graceja Ljubomir. Já lá vamos.

Foto
Ljubomir Stanisic no cartaz promocional de Hell's Kitchen SIC/Shine Iberia

Outra diferença notória será o uso de máscaras, associado a outros protocolos sanitários como a testagem pré-gravações. Dotados de “uma cozinha hospitalar”, como descreve o chef, “conseguimos gravar o programa sem nenhuma contaminação”, assegura. As medidas obrigatórias em tempos de pandemia não atrapalharam; foram só mais um ingrediente a ter em conta. 

Distinção também importante é a forma como aqui se lida com o desperdício. Se na cozinha de Ramsay era arrepiante a velocidade e quantidade de comida a ir para o lixo, sob o comando de Ljubomir há uma preocupação com a sustentabilidade. “Numa cozinha não existe lixo. Principalmente nesta fase, é algo que me choca completamente. Prefiro que guardem e comemos a seguir”.

De resto, a mecânica de base é semelhante. Dezasseis aspirantes são divididos em duas equipas (a dos homens e das mulheres, para começar). Cada brigada trabalha na sua cozinha, azul ou vermelha, para servir refeições impecáveis aos comensais de um restaurante exclusivo. No final de cada uma, o chef avalia a prestação e pendura a jaleca do participante que julgar mais fraco. O programa vai de duelo em duelo e de eliminação em eliminação, até só ficar um para recolher o prémio final. Este será composto pelo reconhecimento, pela atribuição de um automóvel e por outro “troféu” que, para já, fica por desvendar. Os vencedores dos programas de Ramsay eram galardoados com uma vaga no topo da linha de um dos seus restaurantes e com um chorudo prémio monetário.

Pelo caminho, as equipas têm outros testes à sua espera, alguns deles provados por convidados em mesas VIP instaladas nas cozinhas (também eles testados à covid-19). Quer ponham à prova o palato, a experiência, a imaginação ou a cultura gastronómica, esses desafios são invariavelmente rematados por recompensas saborosas ou castigos indigestos. Tiveram direito a “uma das melhores refeições das vidas deles”, exemplifica Stanisic, “mas também um treininho leve de crossfit”, acrescenta Oliveira. “O Daniel deu-me carta-branca”, revela o chef. Não tinha regras e qualquer um podia ser expulso a qualquer momento. Houve até um dia em que quis expulsar toda a gente.

No calor desta cozinha, não basta ser um ás da técnica, criatividade e/ou liderança. Para sobreviver ao lodo, é preciso saber trabalhar em equipa e, sobretudo, aguentar os vapores da pressão constante. Esta é infligida por um chef para quem nenhuma crítica é demasiado dura, desde que leve os aprendizes a corresponder aos padrões de exigência. Ljubomir encaixa-se bem no perfil, não só por ser um dos chefs mais experientes e mediáticos da cena nacional, mas também pela abordagem dura, aguerrida e sem papas na língua.

Mas a diversão e as emoções também entram na equação. Daniel Oliveira sublinha-lhe o humor, a naturalidade e o lado humano. É “alguém que não está formatado, que traz uma verdade a este programa e à televisão que é muito singular (...), e os concorrentes valorizam muito esse lado verdadeiro”. Ljubomir reforça: “A minha prestação é sempre a mesma: sem merdas, sem rodeios, não vou desempenhar papel nenhum”.

Ao mesmo tempo, fala dos concorrentes como um pai orgulhoso: “Rapidamente se esqueceram das câmaras e todos deram o seu melhor”. “Há mais do que um que se pode destacar no futuro” e “todos são vencedores”, até porque “aturar-me a mim não é fácil”. Ljubomir não os conheceu antes de entrarem na cozinha, em nome de uma relação “real e espontânea” à medida de um chef que se define como “um duro com um coração mole” e que acredita que “sem emoções não se consegue atingir bons resultados”. “Eu crio um laço familiar com todas as pessoas com quem trabalho”. Mas os fãs do programa não devem ficar preocupados: “Não vai ser tão fofinho assim”, interrompe Daniel.

Foto
“Sem emoções não se consegue atingir bons resultados” SIC/Shine Iberia

A escolha dos concorrentes ficou do lado da produção. Seleccionou os 16 entre centenas de candidaturas, partindo de três critérios essenciais: a experiência como profissionais ou semiprofissionais, a garantia da paridade de género – “agradou-me ver tantas mulheres a concorrer”, refere Stanisic, já que “é raro haver mulheres chefs de cozinha” – e “que o país estivesse representado”.

Apesar de admitir não gostar de ver televisão, este é já o quarto programa que Ljubomir apresenta, sempre em canais diferentes. Há quatro anos, surgiu na TVI, na versão de outro programa de Gordon Ramsay, o Pesadelo na Cozinha, em que tentava salvar 13 restaurantes do fecho certo. “O Pesadelo era extremamente exigente emocionalmente”, compara. “Este tem um formato de profissionalismo, mais focado no que interessa: vamos cozinhar”. “Há muito tempo que não me divertia tanto”. Antes, já tinha entrado no Papa-Quilómetros do 24 Kitchen (2013) e no Masterchef da RTP (2011). “A televisão deixa-me ser o que sou, naturalmente (...), e noto que consigo ajudar pessoas de uma ou outra maneira, o que me deixa feliz”. 

Só não lhe peçam para entrar em guerras de números e audiências. “Aqui sou só um excelente soldado”. E é um soldado valorizado e disputado pelas estações: no mercado de transferências televisivas, foi notícia a sua mudança para a SIC (rompendo o contrato com a TVI), que o apresentou como estrela da sua programação, ao lado de outras personalidades-trunfo com Ricardo Araújo Pereira ou Bruno Nogueira.

Ljubomir Stanisic na altura da transferência para a SIC João Catarino
Ljubomir Stanisic na altura da transferência para a SIC João Catarino
Ljubomir Stanisic na altura da transferência para a SIC João Catarino
Ljubomir Stanisic na altura da transferência para a SIC, aqui com o director de programas, Daniel Oliveira João Catarino
Fotogaleria
Ljubomir Stanisic na altura da transferência para a SIC João Catarino

Em relação à concorrência com o novo programa apresentado por Cristina Ferreira na TVI, All Together Now, no mesmo horário – embora se estreie mais cedo, já este domingo –, o director de programas está convencido de que Hell’s Kitchen “tem ingredientes para conquistar as pessoas” e tem a “certeza de que isso vai acontecer” porque, para além “dessa verdade, do humor, do drama e das histórias de vida”, “é um regalo para os olhos, para nós que estamos impedidos de ir a restaurantes”. Aproveita para adiantar que não está excluída a possibilidade de fazer uma segunda temporada.

Hell’s Kitchen surge no canal aberto semanas depois da estreia na Opto (plataforma de streaming da SIC) da mini-série documental Ljubomir Stanisic - Coração na Boca. Da juventude na guerra ao lugar de chef-estrela, este retrato de um homem polémico, excessivo, determinado e, lá está, de “coração na boca” apareceu em pleno rescaldo da atribuição de uma estrela Michelin ao 100 Maneiras, restaurante onde a própria ementa conta a sua história de vida. 

A distinção chegou no final de um ano particularmente duro, em que foi rosto do movimento Sobreviver a Pão e Água, liderou protestos pelo apoio ao sector da restauração e passou por uma greve de fome à porta da Assembleia da República, que culminou na hospitalização. “Isto não abala ninguém”, disse na altura ao PÚBLICO. “Já estive na Jugoslávia na guerra a passar muita fome e não é esta que me vai mandar abaixo.”

Sugerir correcção
Ler 2 comentários