Arquitectura
As antigas minas de urânio da Urgeiriça têm uma “nova pele”, que “ganha vida à noite”
O Atelier Orgânica Arquitectura revitalizou as antigas oficinas das minas de urânio da Urgeiriça, em Viseu. Estão revestidas por uma nova "armadura", sem perder de vista a memória do passado e a homenagem à actividade mineira. Espaço deverá albergar um centro interpretativo e de investigação.
Os edifícios das antigas minas de urânio da Urgeiriça, no concelho de Nelas, em Viseu, foram requalificados, mas mantêm-se como lugar de testemunho da actividade mineira da região.
Desde 1999, ano em que encerraram as minas de urânio da Urgeiriça, os edifícios da oficina de tratamento químico, de britagem e do passadiço e o complexo de transformação e tratamento do urânio perderam o seu propósito funcional e, sem ocupação, foram-se deteriorando. Até que, em 2015, o Atelier Orgânica Arquitectura chegou ao local, após o lançamento de um concurso público promovido pela Empresa de Desenvolvimento Mineiro para a descontaminação e recuperação do espaço, para que os resíduos radioactivos das antigas minas deixassem de representar um perigo para o ambiente e para a saúde pública.
Contudo, diz Paulo Serôdio, responsável pelo projecto de requalificação e um dos fundadores do Atelier Orgânica, estava a ser esquecido um legado histórico e um propósito cultural de conservação do património. Por isso, por "intermédio da arquitectura", o arquitecto quis deixar "um abraço de justa e sentida homenagem aos mineiros”, como afirma num comunicado enviado à redacção.
Da antiga oficina de tratamento do urânio foi possível preservar algumas máquinas industriais e manteve-se o “esqueleto do edifício”, uma estrutura metálica, preta, que agora se reveste de uma “nova pele”, ou “armadura”, formada por lamelas de cimento pretas, explica o arquitecto em conversa com o P3. Durante o dia, as lâminas negras absorvem a luz, o edifício torna-se mais robusto, pesado, contrasta com a paisagem e adquire o “carácter artístico de um monumento”. Como a luz não entra directamente no seu interior, gera-se uma atmosfera mais calma, “silenciosa”, que permite o regresso ao passado. À noite, o fenómeno inverte-se: é irradiada luz, a partir do interior, criando “uma espécie de véu”.
“Parece ganhar vida à noite, enquanto durante o dia é um espaço silencioso e discreto”, conclui Paulo Serôdio. “Quando estamos perante algo muito forte, é preciso cortar a agitação do dia-a-dia e encontrar um espaço de calma e serenidade, que nos permite contemplar e absorver a história do lugar.” A pouca luz que entra, esclarece, é somente a necessária para iniciar uma viagem pelo tempo, “como se entrássemos na terra para experienciar o que a actividade mineira tem de difícil”.
Após a obra de requalificação da antiga área industrial da Urgeiriça, terminada em 2020, o espaço deverá ser convertido num centro interpretativo, de investigação na área da radioactividade e da história das minas. As fotografias do projecto são assinadas por Do Mal o Menos, empresa de fotografia de arquitectura criada por João Fôja e Eduardo Nascimento.