Chocos passam num teste de inteligência concebido para crianças
Um grupo de chocos foi submetido à experiência do marshmallow de Stanford. Descobriu-se que os moluscos marinhos têm a capacidade de adiar comer uma refeição imediatamente se souberem que, se o fizerem, receberão algo mais apetecível — mas não se sabe bem o porquê de isto acontecer.
Um grupo de chocos, moluscos marinhos da família dos cefalópodes, passou num teste de inteligência e autocontrolo destinado a crianças. Os chocos foram submetidos a uma nova versão do teste do marshmallow e os resultados obtidos pela equipa que se propôs a estudar estes seres — e que foram publicados esta quarta-feira pela revista científica britânica The Royal Society — parecem provar que há mais coisas a acontecer nos cérebros destas criaturas marinhas do que se sabia até aqui.
A experiência do marshmallow de Stanford (assim chamada porque foi criada por um professor que leccionava psicologia nesta universidade da Califórnia) é simples: uma criança é colocada numa sala onde há uma mesa com um marshmallow. É-lhe dito que, se conseguir controlar-se e não comer o marshmallow durante um período de 15 minutos, receberá um segundo doce e poderá comer os dois.
Esta capacidade de adiar a recompensa demonstra capacidades cognitivas como, por exemplo, a habilidade de planear o futuro. O teste foi originalmente conduzido para estudar a forma como a cognição humana se desenvolve, mais especificamente para perceber com que idade é que o ser humano é inteligente o suficiente para atrasar a recepção de uma recompensa se isso significar um “prémio” maior dali a algum tempo.
O teste, por ser tão simples, pode ser adaptado a alguns animais. Não é possível dizer-lhes que ganharão uma recompensa melhor se esperarem, mas podem ser treinados para entender que se, não comerem o que está à sua frente naquele momento, podem ganhar uma refeição melhor.
Em 2020, um choco já tinha passado numa versão do teste. Um grupo de cientistas descobriu que o choco comum (Sepia officinalis) pode evitar comer uma refeição de carne de caranguejo de manhã se já souber que o jantar será algo mais aliciante: camarão vivo. No entanto, neste caso, é difícil determinar se esta mudança no comportamento acontece em resposta à disponibilidade de presas (porque o caranguejo está morto e o camarão vivo) ou se também estava a ser causada por uma aptidão para exercer autocontrolo.
No estudo publicado esta quarta-feira, a equipa, liderada pela ecóloga comportamental Alexandra Schnell, da Universidade de Cambridge, concebeu outro teste para seis chocos comuns. Os chocos foram colocados num tanque especial com duas câmaras fechadas que tinham portas transparentes para que os animais pudessem ver para dentro. Nas câmaras estavam lanches: um pedaço de camarão-rei cru no primeiro e um camarão vivo no segundo, uma refeição muito mais apetecível para os chocos.
As portas também tinham símbolos que os chocos foram treinados para reconhecer. O círculo significava que a porta se abriria imediatamente, o triângulo queria dizer que se abriria depois de um intervalo de tempo que podia variar entre os dez e os 130 segundos e um terceiro, um quadrado, usado apenas para avaliar a vertente do autocontrolo, significava que a porta permaneceria fechada indefinidamente.
No grupo do teste, o bocado de camarão foi colocado atrás da porta que se abriu imediatamente, enquanto o camarão vivo só ficou acessível depois de algum tempo. Se o choco avançasse logo para o camarão morto, o outro ser vivo era retirado do tanque. Ao mesmo tempo, na vertente de autocontrolo, o camarão vivo ficou sempre inacessível atrás da porta que não se abriu.
Os investigadores descobriram que todos os chocos do grupo do teste decidiram esperar pelo alimento preferido (o camarão vivo), mas o mesmo não aconteceu no grupo do autocontrolo que, sabendo que não iria comer o camarão vivo, escolheu a opção mais fácil.
“Os chocos foram capazes de esperar pela recompensa melhor e toleraram ‘atrasos’ de até 130 segundos, valor que é comparável ao que observamos em vertebrados com cérebros desenvolvidos, como chimpanzés, corvos e papagaios”, refere a coordenadora do estudo.
Não é claro o porquê de os chocos desenvolverem a capacidade de autocontrolo, mas os investigadores acreditam que tenha algo a ver com a forma como se alimentam. “Os chocos passam a maior parte do tempo camuflados, sentados e à espera, mas existem breves períodos de tempo em que procuram alimentos. Interrompem a camuflagem ao forragear e ficam expostos a todos os predadores do oceano que querem comê-los. Especulamos que a recompensa atrasada pode ter evoluído como um subproduto disso. Os chocos podem melhorar a procura de comida sabendo que em que alturas encontrarão a melhor refeição”, explicou ainda a cientista.
A equipa diz que os resultados são mais uma prova do quão importante é não subestimar a inteligência animal, principalmente as capacidades dos cefalópodes (família que inclui os polvos), mas reforça que serão necessários mais estudos para tentar perceber se, de facto, os chocos são capazes de planear o futuro.