Como é viver depois do cancro? Oncologistas respondem a cinco dúvidas
Os especialistas defendem que o cancro deve ser visto como “uma doença crónica, tratável”, mas sem nunca “afirmar completamente a cura”.
Como é viver depois do cancro? É possível ficar mesmo livre? O cancro pode voltar? Esta quinta-feira, 4 de Fevereiro, celebra-se o Dia Mundial de Luta Contra o Cancro. O PÚBLICO conversou com especialistas em oncologia que procuraram responder a cinco das dúvidas mais frequentes que assolam quem venceu esta luta.
O médico disse-me “está livre”. Estou mesmo?
A resposta a esta pergunta não é linear, dado que existe sempre a possibilidade de reaparecimento da doença, mesmo nos casos em que se pensava que o cancro tinha desaparecido. O especialista em Hematologia Clínica e Oncologia Médica no Hospital CUF Descobertas e no Hospital CUF Torres Vedras, João Paulo Fernandes, explica que “durante muito tempo” se acreditou que “quem estava bem ao fim de cinco anos, estaria provavelmente curado”. Infelizmente, analisa, há recidivas tardias da doença, em especial em certos tipos de cancro, como o da mama ou do colón.
O oncologista do Hospital da CUF Porto e membro do Grupo de Trabalho de Sobreviventes de Cancro da Sociedade Portuguesa de Oncologia, Carlos Sottomayor, assinala que “quem teve cancro pode ter outro”, “pode recair do primeiro com uma probabilidade maior” ou “ter ficado também com algumas sequelas do tratamento”.
Assim, João Paulo Fernandes defende que o cancro deve ser visto como “uma doença crónica, tratável”, mas sem nunca “afirmar completamente a cura”. “Felizmente”, destaca, por sua vez, Carlos Sottomayor, “os avanços no tratamento da doença oncológica conduziram à melhoria significativa da sobrevida dos doentes” e esta população “continua a fazer a sua vida normal e habitual”.
O que tenho de fazer para manter o cancro longe de mim?
O mais importante para o controlo de possíveis recaídas do cancro é manter um estilo de vida saudável, recomendam os especialistas: deixar de fumar, alimentar-se de forma mais equilibrada, reduzir bebidas alcoólicas e fazer mais actividade física. Manter uma “vida activa e saudável” é “uma responsabilidade do doente”, frisa João Paulo Fernandes, “e é provavelmente a vertente mais difícil do viver com cancro” — “mudar comportamentos”.
É fundamental manter a vigilância e continuar a fazer a consulta de oncologia, “mesmo que não tenha queixas importantes”, avisa Carlos Sottomayor, que aconselha também a que seja feito um estudo genético para “despiste de mutações genéticas que o doente possa ter herdado” e, eventualmente, passem à geração seguinte.
Devo ter medo de ter outros cancros?
“Quem teve um cancro que é curado, vai estar em risco de vir a ter novos tumores”, alerta João Paulo Fernandes. Porquê? Segundo o especialista, são vários os motivos que o explicam, desde “formas genéticas que condicionam risco em vários órgãos”, “factores de risco externos” (como o tabaco, por exemplo), até às “alterações malignas” que a quimioterapia e a radioterapia podem induzir noutros órgãos.
O facto de ter aparecido um primeiro cancro já indica “alguma fragilidade genética ou no sistema imune” e é por isso que Carlos Sottomayor defende que “não deve ser adiada” a vigilância médica regular, para que aumente “a probabilidade de cura de uma eventual neoplasia que venha surgir”.
Como controlar o medo e a ansiedade que a doença me provocou?
É importante reconhecer que é natural ter medo e ansiedade. Carlos Sottomayor explica que, depois de se ter vivido um cancro, existe “uma espécie de síndrome burnout ou síndrome ansioso depressivo pós-traumático”, que deve ser tratado para minimizar o “impacto negativo na qualidade de vida, na rentabilidade profissional e na vida inter-relacional”.
Por seu lado, João Paulo Fernandes salienta que o apoio familiar é essencial, mas sugere também os grupos de doentes para “partilha de experiências que podem ser muito importantes na aprendizagem da vivência do cancro”.
A prática de exercício físico e a terapia ocupacional podem ser também aliadas de peso no combate aos pensamentos obsessivos que, frequentemente, surgem à volta da doença. Ambos os especialistas alertam, no entanto, para que se procure sempre a ajuda da Psico-Oncologia e da Psiquiatra.
Faz-me bem ler toda a informação que existe sobre o meu cancro?
“Não há dois doentes iguais, não há dois cancros iguais, não há dois tratamentos iguais”, resume Carlos Sottomayor. Por isso, deve evitar sempre comparar o seu caso com o de outros doentes, ler generalidades na Internet ou fazer pesquisas na bibliografia científica.
Se gostava de ler mais sobre o seu cancro, o ideal é mesmo pedir ao seu médico que lhe dê todas as informações possíveis ou sugira fontes fidedignas. João Paulo Fernandes defende que a procura de informação não se deve sobrepôr à “procura de saúde”.
Os especialistas concluem, assim, que o essencial é mesmo confiar na equipa que o trata, “tal como é essencial tratar o doente mais do que a doença”. Só assim se terá “sucesso a cada etapa”.