Morreu Cloris Leachman, vencedora de um Óscar e devoradora de Emmys
Actriz que se notabilizou na sitcom The Mary Tyler Moore Show e que ganhou um Óscar de Melhor Actriz Secundária por A Última Sessão venceu oito dos 22 Emmys para os quais foi nomeada na sua carreira, que lhe permitiu saltar entre o cinema, a televisão e o teatro. Tinha 94 anos e morreu de causas naturais durante o sono.
O papel da intrometida Phyllis Lindstrom na sitcom The Mary Tyler Moore Show (1970-1977) tornou-a uma estrela no início dos anos 1970, depois de duas décadas a fazer teatro, cinema e projectos televisivos de menor relevo. Ganhou um Óscar de Melhor Actriz Secundária em 1971 pelo desempenho no filme A Última Sessão (The Last Picture Show, no título original) e foi nomeada para os Emmys 22 vezes ao longo da carreira (um recorde), tendo arrecadado oito galardões — é a mais premiada de sempre, ao lado de Julia Louis-Dreyfus. A actriz Cloris Leachman morreu de causas naturais enquanto dormia esta terça-feira, na cidade de Encinitas, na Califórnia. Tinha 94 anos.
“Foi um privilégio trabalhar com a Cloris, uma das actrizes mais destemidas do nosso tempo”, destacou a agente Juliet Green, que a representou durante várias décadas e confirmou a notícia da morte. “Não havia ninguém como ela. Com um único olhar, conseguia despedaçar o teu coração ou fazer-te rir até que as lágrimas te escorressem da cara. Nunca sabias o que ia dizer ou fazer e essa qualidade imprevisível fazia parte da sua magia irreplicável.”
The Mary Tyler Moore Show, a série criada por James L. Brooks e Allan Burns que a RTP exibiu como As Solteironas, tomou de assalto o pequeno ecrã em plena era dourada das sitcoms norte-americanas. A década de 1960 ficara por conta de The Dick Van Dyke Show (1961-1966) e Casei com uma Feiticeira (1964-1972); um ano depois da estreia de The Mary Tyler Moore Show, chegaria aos televisores o mundo da família Bunker via Uma Família às Direitas (1971-1979). Para a revista Time, The Mary Tyler Moore Show foi “um dos programas que mudou a televisão americana”, “uma comédia sofisticada sobre adultos entre adultos a falarem sobre coisas de adultos”.
Na sitcom, Leachman deu vida à arrogante, controladora e egoísta Phyllis Lindstrom, personagem que lhe valeu dois dos seus oito Emmys e que seria a protagonista da segunda spin-off da série (a primeira foi Rhoda), simplesmente intitulada Phyllis. O sucesso de The Mary Tyler Moore Show abriu definitivamente as portas a esta actriz, que em 1970 entraria em três filmes — As Mil Faces do Amor, do cineasta e argumentista Cy Howard, A Culpa de Cada Um, de David Greene, e A Sala dos Espelhos, de Stuart Rosenberg — e no ano seguinte teria um papel emblemático em A Última Sessão, drama “coming-of-age” de Peter Bogdanovich, que também realizou Lua de Papel.
Nessa longa-metragem, Cloris era Ruth Popper, uma mulher de meia-idade deprimida e casada com um homem homossexual que ainda não “saiu do armário”. A actriz ganhou uma estatueta de Melhor Actriz Secundária pela sua interpretação — na corrida estava Ellen Burstyn, que também foi nomeada por A Última Sessão; Burstyn notabilizou-se pelo papel de Lois Farrow —, naquele que viria a ser o único Óscar da sua carreira.
Leachman voltaria a trabalhar com Bogdanovich em Daisy Miller, filme estreado em 1974, o mesmo ano em que Mel Brooks e Gene Wilder lançaram Young Frankenstein, onde Cloris era a governanta Frau Blücher — não se podia sequer pronunciar o seu nome, que os cavalos ficavam logo aterrorizados. A parceria com Mel Brooks seria renovada em Alta Ansiedade (1977), onde a actriz interpretou a enfermeira Diesel, e History of the World: Part I (1981), onde foi Madame Defarge (personagem de Charles Dickens) no sketch da Revolução Francesa. A dupla faria ainda The Nutt House (1989), sitcom que a NBC cancelou ao fim de cinco episódios.
“Que notícia tão triste. A Cloris era incrivelmente talentosa. Podia fazer-nos rir ou chorar de um momento para o outro. Foi sempre um prazer enorme poder tê-la nas rodagens. Sempre que ouço o relincho de um cavalo, penso na sua inesquecível Frau Blücher. A Cloris é insubstituível e vamos sentir muito a falta dela”, escreveu Mel Brooks, 94 anos, no Twitter.
Os restantes Emmys que Leachman ganhou nas décadas de 1970 e 1980 surgiriam pelas suas aparições no programa de variedades Cher, que a cantora e actriz Cher apresentou entre 1975 e 1976, e por The Woman Who Willed a Miracle (1983), um dos mais conhecidos episódios especiais da série de antologia ABC Afterschool Special (1972-1997).
A colecção de Emmys ficaria completa já no século XXI, pela sua interpretação da avó Ida na sitcom A Vida é Injusta (2000-2006), protagonizada por Frankie Muniz e por um Bryan Cranston pré-Breaking Bad. Como aponta a revista Variety, a actriz pareceu fazer “a transição para os ‘papéis de avó’ que começou a assumir no final dos anos 1990 e no início dos anos 2000 sem qualquer esforço”. Uma das suas melhores personagens nesta recta final da sua carreira foi a bisavó com problemas de memória Barbara June Thompson, da sitcom Raising Hope (2010-2014), produção que acabou por ser um dos sucessos mais surpreendentes da Fox no início da década passada. Antes de Raising Hope, Cloris fizera também algum furor no programa de televisão Dancing with the Stars: em 2008, aos 82 anos, a actriz tornou-se a concorrente mais velha a dançar no talent show.
Nascida no Iowa, a actriz começou por participar em concursos de beleza antes de conseguir papéis em Lassie — os produtores despediram Leachman em 1958 quando esta recusou fazer promoção à marca de sopa patrocinadora da série — ou no filme Dois Homens e Um Destino (Butch Cassidy and the Sundance Kid, no título original), estreado um ano antes do arranque de The Mary Tyler Moore Show. Ed Asner, que nessa sitcom foi o jornalista Lou Grant, publicou esta quarta-feira no Twitter a última fotografia que tirou com a actriz. “Sempre linda. Nada que eu pudesse dizer superaria a enormidade do meu amor por ti. Até que nos encontremos novamente, querida”, escreveu.