Galp muda de liderança: sai Gomes da Silva, entra Andy Brown

O presidente executivo renunciou à liderança da petrolífera a meio do seu segundo mandato. Será substituído por Andy Brown a partir de 19 de Fevereiro.

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Nuno Ferreira Santos

Em aparente transformação do seu modelo de negócio, a Galp fez acompanhar a transição energética em curso com uma passagem de testemunho no topo da empresa. Carlos Gomes da Silva interrompe o segundo mandato a meio, poucas semanas depois de ter fechado a refinaria de combustíveis de Matosinhos e no mesmo dia em que a empresa anunciou a sua entrada na exploração mineira de lítio. Uma sucessão de anúncios que terá, dentro de pouco mais de um mês, um novo protagonista: Andy Brown, antigo gestor de topo da Shell até 2019. 

Em comunicado enviado ao mercado, a Galp anunciou esta terça-feira que “Carlos Gomes da Silva apresentou a sua renúncia” ao cargo de presidente da comissão executiva da petrolífera, uma decisão que “foi oportunamente consensualizada entre Carlos Gomes da Silva e a presidente do Conselho de Administração da Galp, Paula Amorim”. 

O seu substituto no cargo já está escolhido e trata-se de Andy Brown, que será cooptado no dia 19 de Fevereiro, para ser posteriormente submetido à aprovação dos accionistas em assembleia-geral. 

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“Andy Brown é um gestor de topo com mais de 35 anos de experiência no sector da energia, reconhecido pelo seu perfil de liderança dinâmico, foco na performance, segurança, bem-estar e desenvolvimento de pessoas”, sublinha o comunicado da empresa, acrescentando que este responsável “ocupou várias funções de gestão na Royal Dutch Shell, tendo sim membro da comissão executiva desde 2012, com funções de director internacional de upstream e, desde 2016, como director de upstream”. Depois de sair da Shell em 2019, trabalhou em consultoria em várias empresas, inclusive na ZeroAvia, uma empresa de hidrogénio e células de combustível para a aviação. 

Galp em transformação

Esta mudança no topo da Galp acontece poucas horas depois de ter sido conhecida a sua entrada na exploração mineira de lítio, em Portugal, numa parceria com a britânica Savannah na Mina do Barroso e alguns meses desde que assumiu o interesse no projecto de hidrogénio de Portugal. E é anunciada poucas semanas depois do encerramento da refinaria de Matosinhos, em Leixões. Aliás, o anúncio da saída de Gomes da Silva aconteceu praticamente em simultâneo com mais um protesto, esta terça-feira, dos trabalhadores afectados por esta decisão, cujo destino deverá já ser definido pelo novo presidente-executivo.

Nesse sentido, a empresa esclareceu que “Carlos Gomes da Silva permanecerá em funções até ao referido dia 19 de Fevereiro de 2021, colaborando com a Galp para que o processo de passagem de testemunho para [Andy Brown] decorra de forma qualificada”. 

A mudança na liderança da empresa, a meio do segundo mandato dos órgãos de gestão (eleitos para o quadriénio 2019-2022), faz-se de forma pacífica, mas reflecte uma divergência na forma como a presidente do conselho de administração da Galp (Paula Amorim) e o até agora presidente da comissão executiva encaram o processo de transformação da Galp neste momento decisivo de transição para uma economia de baixo carbono.

As diferentes visões quanto ao ritmo e à intensidade da mudança terão ditado, segundo informação recolhida pelo PÚBLICO, a decisão de terminar aqui o percurso de Carlos Gomes da Silva na petrolífera. Um percurso longo, que acompanhou a conversão da Galp numa das principais cotadas e empresas exportadoras do país.

A escolha de Amorim

Licenciado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Carlos Gomes da Silva chegou à Galp no início da década de 90, “desempenhando diversas funções de gestão, liderando as áreas de operações de refinação, logística e trading, de planeamento e controlo e de estratégia”, refere a nota curricular publicada no site da empresa.

Saiu em 2001, para uma passagem pela indústria das bebidas (na Unicer), mas regressou à petrolífera e, em 2008, entrou na comissão executiva. Em 2015, assumiu a liderança da empresa, sucedendo no cargo a Manuel Ferreira de Oliveira.

Gomes da Silva foi uma escolha de Américo Amorim, que então lhe enalteceu “o profundo conhecimento da empresa e dos seus negócios” e a “capacidade e experiência que asseguram a qualidade de gestão e o compromisso com a continuidade da estratégia e as prioridades da Galp Energia”.

Foi já ao lado da sua filha, Paula Amorim, que Carlos Gomes da Silva festejou os dez anos da entrada em bolsa da Galp, em Outubro de 2016.

A filha mais velha de Américo Amorim, que menos de duas semanas antes havia substituído o pai (depois deste ter renunciado à presidência da administração), dizia-se então perfeitamente alinhada com a comissão executiva, sublinhando a relação de “grande proximidade” que permitia à equipa de Gomes da Silva “implementar o seu estilo de gestão”.

Por seu turno, o presidente executivo esperava uma “relação fácil” com a sua “colega do conselho de administração”, com que já trabalhava “há alguns anos” (Paula Amorim entrou para o conselho da Galp em 2012, sendo a família Amorim a maior accionista da empresa, com 18,34%, seguindo-se a Esperaza, da Sonangol e de Isabel dos Santos, que estão em rota de colisão, com 15%).

Mal passaram quatro anos desde esta comemoração, mas, nessa data, a transição energética ainda não tinha entrado no léxico da Galp e o entusiasmo era todo canalizado para a “qualidade dos activos” petrolíferos da Galp nas águas ultra-profundas brasileiras e para o ambicioso projecto de gás natural em Moçambique.

Entretanto, o mundo mudou e a Galp teve também de mostrar sinais de estar a mudar. De lá para cá, a empresa concretizou investimentos na área da produção de energia fotovoltaica, entrou num consórcio que deverá ser a ponta-de-lança dos investimentos de Portugal no hidrogénio (o H2Sines) e agora, três semanas depois de anunciar o fecho da refinaria de Matosinhos pela acentuada quebra da procura de combustíveis, sabe-se que vai entrar na exploração mineira de lítio, aliada à Savannah Resources, em Boticas, para a produção de baterias.

Mas nenhum destes projectos andará ao ritmo da batuta de Carlos Gomes da Silva. O senhor que se segue, e que vem com ordem para pôr o pé no acelerador no processo de transformação da empresa (que continua, mesmo assim, a ter como principal fonte de receitas a exploração e produção de petróleo) fez toda a sua carreira na Shell.

Andrew Brown entrou na petrolífera anglo-holandesa em 1984, depois de completar o curso de Ciências de Engenharia na Universidade de Cambridge. Saiu da comissão executiva em meados de 2019, quando estava na liderança do negócio de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo.

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