O papel dos professores na prevenção da mutilação genital feminina

Todos os anos vemo-nos a braços com a realidade da mutilação genital feminina no Reino Unido. Como professores, e estando em contacto com crianças diariamente, encontramo-nos numa posição privilegiada em tudo quanto concerne o bem-estar das mesmas.

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Sendo o Reino Unido um destino de eleição para cidadãos de países africanos entre antigas colónias e/ou países da Commonwealth, infelizmente não é por acaso que todos os anos nos vemos a braços com a realidade da mutilação genital feminina. O caso aqui descrito veio parar-nos às mãos já tarde demais, quando a aluna em questão já era uma adolescente.

Só então conseguiu falar, dando assim a conhecer em primeira mão o triste exemplo contra o qual lutamos na escola todos os anos, ainda para mais agora quando são menos as crianças e os olhos vigilantes, quando tantos se resguardam em casa. 

Podemos falar da Anisha, da Fauzia ou da Damira. Provenientes da Etiópia, da República Centro-Africana, da Costa do Marfim, entre tantos outros países, o seu nome, fictício de modo a evitar represálias, é o oposto da sua história, ainda bem presente em centenas de milhões de mulheres e meninas.

Chamemos-lhe Anisha, nascida na Costa do Marfim. No seio familiar da Anisha, não é comum falar sobre a mutilação genital feminina. Mas não ser comum não chega. No seu seio familiar, não se fala sobre a mutilação genital feminina, e quem diz no seio familiar, diz no seio cultural. 

No seio cultural da Anisha, a excisão da genitália feminina é também a excisão de todo e qualquer desejo sexual, assim reduzindo o acto sexual à função primária de reprodução e nada mais. Desprovida dos prazeres carnais, neste meio a mulher deve conservar-se pura e fiel, dedicando a sua vida ao marido e à família. 

A Anisha tinha 6 anos. Apesar da tenra idade, sabia ser apenas uma questão de tempo até chegar a sua vez. Outras crianças, entre vizinhas e amigas, já haviam sofrido igual sorte, falando abertamente sobre as dores e horrores deste procedimento.

A Anisha estava aterrorizada, e aterrorizada continuou quando a tia e o tio aproveitaram a ausência da mãe por uns dias para lhe comunicar ter chegado a hora. A hora da Anisha e da sua irmã mais velha, de 8 anos. Nessa manhã, os tios vieram buscar as duas crianças à escola. A mulher encarregue de levar a cabo a excisão foi a sua tia-avó, a qual esperava pela Anisha e sua irmã dentro de uma tenda nos arredores da aldeia. 

A Anisha não tem qualquer memória do momento do corte. Findo o procedimento, e depois de pontos e suturas, ataram-lhe as pernas para que não abrisse as pernas e rompesse os pontos. Ao todo, foram três semanas com as pernas atadas. As necessidades fisiológicas? Só de lado e a dor insuportável. Só anos mais tarde, e já a viver na Europa, pôde recorrer a cuidados médicos em consequência das infecções urinárias recorrentes, dor constante, incontinência, entre outros problemas. 

Os períodos de férias escolares, com especial incidência no Verão, coincidem com o aumento dos casos de mutilação genital feminina. Como professores, e estando em contacto com crianças diariamente, encontramo-nos numa posição privilegiada em tudo quanto concerne o bem-estar das mesmas. 

Deste modo, temos a responsabilidade e o dever de estar atentos quando uma criança nos diz que nas férias vai ter um momento ou ocasião “especial”, ou que se vai tornar uma “mulher”. De igual modo, devemos estar atentos se ouvirmos uma criança falar sobre este procedimento com outras crianças na escola. O mesmo se aplica quando os pais retiram uma criança da escola durante vários dias em pleno período de aulas. As suspeitas serão tanto maiores se quando o destino de viagem das crianças é um país com alta taxa de incidência de mutilação genital feminina. 

Cabe aos professores contactar as autoridades em caso de suspeita e fazê-lo o mais rapidamente possível. Nestes casos, a comunicação não é apenas uma chave, é um salva-vidas para as mais de 3 milhões de crianças sujeitas a esta prática todos os anos.

A mutilação genital feminina é um crime punível com penas de prisão de dois a dez anos. O papel do professor reveste-se assim de especial importância na prevenção desta prática ou não estivéssemos no entroncamento das vidas de quem é verdadeiramente vulnerável, as crianças e o seu, mas também nosso, futuro.

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