Causas
O lixo que Ricardo apanha na praia conta uma história de terror
A caixa mais bizarra no ateliê de Ricardo Nicolau Almeida tem 147 cabeças de bonecos. “Estranho arquivo”, apresenta-o aqui o “artivista” que cria peças com o plástico das praias portuguesas.
Ricardo Nicolau de Almeida reconhece que a colecção de cabeças de bonecas que esconde quando recebe visitas propensas a sustos é, efectivamente, “um bocado bizarra”. “Faz lembrar um filme de terror, sim, mas ao mesmo tempo sinto que tenho de as adoptar”, ri-se.
O “artivista” que constrói peças com o lixo que apanha na costa portuguesa encontra um suspeito número de cabeças decepadas na praia, com mais ou menos mazelas (e dois ou menos olhos). São os próprios colegas, pessoas que se dedicam a limpezas de praia e a reunir, catalogar e transformar o plástico que levam para casa, a dizê-lo.
No primeiro passeio desta primeira semana do ano juntou mais duas ao “estranho arquivo”. “São 147”, diz, agora com uma gargalhada. “Não consigo deixá-las. Sinto sempre que já foram abandonadas uma vez”, brinca.
Ele não se assusta. Conhece bem a história de terror que aquelas cabeças e os milhares de outros objectos que viu darem à costa, dos mais comuns aos mais insólitos, contam. “São quase peças arqueológicas: contam a história de quando foram feitas, de quem as teve e de quem as abandonou.” Na sua mais recente exposição, patente até Março na Reitoria da Universidade do Porto, chama-lhes Monstros Marinhos.
O Inverno é a “época alta” para o trabalho de Ricardo. Os areais desertos enchem-se de lixo, relata. Ele percorre o da praia do Cabedelo, em Vila Nova de Gaia, quase sempre sozinho, entre o rio e o mar, contava, em 2018, quando apresentou pela primeira vez o seu trabalho ao P3. “Entretanto, tive de aumentar o meu estúdio”, actualiza, “o tema ainda não se esgotou”. E a matéria-prima não pára de desaguar.