Fotografia
Irlanda do Norte: jovens de Belfast sustêm a respiração sob a incerteza do “Brexit”
No referendo do Brexit de 2016, a Irlanda do Norte deixou bem clara a sua preferência: permanecer na União Europeia. Mas a população do Reino Unido optou, por maioria, abandonar a UE, deixando as duas Irlandas numa posição de fragilidade política e social. Como? Porquê? A partir de 1 de Janeiro de 2021 existirá, entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, uma nova fronteira – a que separa a UE do Reino Unido.
Os dois territórios irão reger-se por diferentes normas e leis, no que concerne ao comércio, nomeadamente no que a todo o tipo de produtos cuja importação ou exportação será autorizada diz respeito. E, assim sendo, surge a necessidade da criação de postos de controlo alfandegários. A solução, embora lógica, parece ser contrária a uma das condições fundamentais do Acordo de Paz firmado pelos dois países em 1998, a da existência de uma fronteira aberta, sem obstáculos físicos, à circulação de bens e pessoas. Sem essa fluidez e liberdade, muitos temem a ocorrência de perturbações no processo de paz que colocou termo a 30 anos de conflito sangrento entre as duas Irlandas e ceifou mais de 3500 vidas – conhecido por The Troubles.
Foi sob a sombra desta ameaça de turbulência que o fotógrafo alemão Toby Binder documentou a tensão que se respira nas ruas de Belfast, a capital da Irlanda do Norte. Os protagonistas da série e fotolivro Wee Muckers – Youth of Belfast são os jovens católicos e protestantes que habitam a cidade dividida. Esta é "uma geração que vive entre o Acordo de Paz e o Brexit", descreve a editora alemã Kehrer Verlag em comunicado dirigido ao P3, aludindo ao estado de incerteza que vigorou nos últimos quatro anos, o período entre o referendo de 2016 e o acordo pós-Brexit, logrado, finalmente, a 24 de Dezembro.
As imagens que compõem o fotolivro foram realizadas em seis bairros da capital: Highfield, Clonard, Shankill, Carrick Hill, Village e Sandy Row. Neles, Binder encontrou jovens católicos e protestantes que ainda mantêm vidas separadas e que ainda respeitam os muros, denominados peace walls ou peace lines, que delimitavam as vivências dos dois grupos, cujas vidas não se tocavam sob ameaça de violência mútua. Muitos desses muros, feitos à base de cimento, chapa ondulada e arame farpado, já não existem. Em Fevereiro de 2016, o jornal The Belfast Telegraph reportava a existência de 109 por toda a Irlanda do Norte, mas esse número não é consensual.
No terreno, o fotógrafo constatou que é mais aquilo que une os protestantes e católicos da Irlanda do Norte do que aquilo que os separa – facto que não é, todavia, evidente para as partes. “Com o livro pretendo mostrar que as duas comunidades [católica e protestante], que parecem ter diferenças irreconciliáveis – não só, mas também com o contributo do "Brexit" –, são mais parecidas do que gostariam de admitir”, explicou Toby Binder, em entrevista à World Photo, em 2017, durante o desenvolvimento da série. “Enquanto se mantêm fiéis aos seus símbolos, identidade e tradições, usam as mesmas roupas, os mesmos cortes de cabelo, ouvem a mesma música, bebem a mesma cerveja, tomam as mesmas drogas e, muitas vezes, têm as mesmas preocupações, como a violência, o desemprego, a discriminação, a falta de perspectivas de futuro.” Com toda a incerteza em torno do Brexit, o alemão espera que os políticos tenham o bom senso de “não tocar nas fronteiras”, refere na mesma entrevista.
O acordo pós-"Brexit", na sua complexidade, parece ser fruto de um esforço por manter o Acordo de Paz entre as Irlandas intacto. O Reino Unido e a União Europeia acordaram que os postos de controlo não terão lugar na fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte (mas sim noutros pontos da Grã-Bretanha) e que a última continuará a seguir grande parte das regras europeias. O preço a pagar pelo acordo de paz, no entanto, poderá ser elevado. Uma sondagem da Food and Drink Federation, a propósito do "Brexit", concluiu que quatro em cada dez fornecedores de produtos alimentares da Grã-Bretanha irá suspender ou reduzir o seu fornecimento de bens com destino à Irlanda do Norte.