A existência do Pai Natal não é consensual entre adultos. Não que haja quem acredite que um senhor barbudo ande a viajar pelo mundo de 24 para 25 de Dezembro — ainda que resistam os crescidos que gostavam de acreditar: “Há uns anos, já adulta, mas ainda sem filhos, acordei com as galinhas na manhã de Natal em casa da minha mãe e fui dar com as luzes da árvore ligadas e um monte de presentes a rodeá-la”, recorda Ana Botelho Ribeiro, de 38 anos, admitindo, divertida: “Mais depressa ponderei o Pai Natal do que haver alguém lá em casa que efectivamente tivesse comprado mais prendas.” Afinal, tinha sido o irmão mais novo que, no fim do seu primeiro ano de trabalho, tinha decidido pregar uma partida à família.
Mas, por mais que a ideia seja atraente, a crença no Pai Natal é um exclusivo infantil, mais ou menos empolgada pelos adultos que habitam o mundo da criança: há quem insista em criar fantasias mirabolantes para que a figura das barbas seja inquestionável, mas também há quem recuse passar a ideia de que quem compra os presentes seja, no fundo, um estranho. É o caso de quem prefere ver o lado “bonito” de “eles saberem que as pessoas gostam deles, e escolhem um presente com esforço e carinho”. Depois, há lares onde, mesmo já sendo claro tratar-se de uma fantasia, continua tudo no mesmo registo. “O mais novo tem 11 e finge que não sabe que não existe. E eu finjo que não sei que ele sabe”, explica Vítor Mendes, de 43 anos. Assim, tanto a filha mais velha, de 14 anos, como o mais novo “escrevem a carta e metem na árvore”. “Eu roubo e substituo por um montinho com os presentes do Pai Natal”, revela.
Fazer acreditar ou não no Pai Natal permanece assunto controverso, inclusive entre especialistas, e há muitos livros sobre o assunto em que se defende que a lenda do Pai Natal é má para as crianças. O argumento principal é, claro, que tudo não passa de uma mentira quando um dos ensinamentos é precisamente o de não mentir. Mas “a mentira é uma coisa com um conceito moral que não envolve o Pai Natal”, resume José Morgado, doutorado em Estudos da Criança e professor no Departamento de Psicologia da Educação do ISPA, em Lisboa. Pelo contrário, defende, “o pensamento mágico é fundamental”. “A fantasia é crítica para o [bom] desenvolvimento dos miúdos e até do bem-estar dos adultos.”
Se acreditar no Pai Natal é positivo ou negativo, “depende da idade da criança e da forma como se faz”, começa por considerar Bárbara Figueiredo, coordenadora da Unidade da Primeira Infância da Universidade do Minho, avaliando que “não há respostas fechadas”, ainda que defenda que alinhar na ideia do Pai Natal, para uma criança entre os quatro e os seis anos, altura em que a própria cria uma realidade imaginária, é uma “maneira de entrar no mundo” dela.
“A fantasia”, esclarece a especialista, é essencial para o crescimento cognitivo e “o reforço da fantasia positiva”, como a criação da ideia do Pai Natal, “estimula o desenvolvimento”, sobretudo porque se trata de algo bom, “que gera bem-estar”.
Além disso, há teses que defendem que a descoberta da verdade pode ser um evento traumático. “Ainda hoje [a mais velha, de 15 anos]”, que “chorou as pedras da calçada quando descobriu, me culpa”, conta Marta Boleto. No entanto, apesar de tudo, faz questão de manter a magia para as irmãs mais novas. E a a mais pequena, de oito anos, ainda acredita piamente.
Para José Morgado, quando a dúvida se instala, “é preciso desmontar o discurso sem retirar o tapete de repente”. “A partir de uma certa idade, sabem que não existe, mas querem continuar a falar sobre isso”, constata Bárbara Figueiredo. Já sobre o trauma, a psicóloga defende que o mesmo dependerá da forma como a verdade é exposta. Mas não acha estranho que o choro faça parte do processo. Afinal, “é uma perda”. Ainda assim, o professor do ISPA não tem dúvidas: “Deixem os miúdos acreditar no Pai Natal em paz!”