Rewilding, conservação da natureza para o século XXI
Para recuperar ecossistemas é importante compreender que o tempo dos seres humanos é diferente do tempo da natureza. Existem várias árvores centenárias, ou até mesmo milenares, como é o caso das oliveiras. Isto prova que centenas e mesmo milhares de anos são fracções de segundo na escala evolutiva.
Poucos são os portugueses que já contemplaram o céu estrelado, conhecem um rio selvagem, ouviram o uivo de um lobo ou conhecem pelo nome as árvores da nossa floresta. Perdemos a nossa ligação à natureza, vivemos num mundo à parte, esquecemo-nos que existem outros seres no planeta e que a nossa casa não é só nossa. Iluminamos a noite, domamos rios com barragens, destruímos habitats e extinguimos espécies. A nossa falta de ligação com a natureza está na origem do aparecimento de doenças como a covid-19, das alterações climáticas ou da extinção em massa de espécies.
A solução? Rewilding, em português renaturalizar. Restaurar a natureza, não só algumas espécies mas recuperar ecossistemas funcionais, com uma grande abundância e diversidade de animais e plantas e marcado por processos naturais. O conceito de rewilding apareceu nos anos 90 com foco nos 3 Cs. Áreas protegidas “core”, refúgios da vida selvagem; carnívoros para garantir os checks no ecossistema, como o controlo de animais velhos e doentes, e corredores para ligar as áreas protegidas e assim garantir ligação entre populações.
O abandono agrícola na Europa, e em especial em Portugal, apresenta uma oportunidade de devolver espaço à natureza e de planear o território. Não precisamos de gerir sempre a natureza, muitas vezes o ser humano tenta substituir processos que ocorriam naturalmente, como limpar florestas ou restaurar linhas de água, com custos elevados e piores resultados do que se fosse a natureza a desempenhar o seu papel. Ao completar ecossistemas, através da reintrodução de espécies em falta e do restauro de processos naturais como cheias. As peças estão no lugar para o ecossistema se regular e sustentar sem a necessidade de intervenção humana.
Para recuperar ecossistemas é importante compreender que o tempo dos seres humanos é diferente do tempo da natureza. Existem várias árvores centenárias, ou até mesmo milenares, como é o caso das oliveiras. Isto prova que centenas e mesmo milhares de anos são fracções de segundo na escala evolutiva. Muitos ecossistemas e espécies estão em decadência há milhares de anos e é necessário consultar registos históricos e fósseis, não como um guia rígido mas como inspiração para imaginar um futuro com ecossistemas mais biodiversos e resilientes.
Podemos começar por restaurar populações de algumas espécies, como a cabra-montês e o castor-europeu e, assim, recuperar alguns processos ausentes da paisagem portuguesa. A distribuição histórica da cabra-montês englobava as principais zonas montanhosas da Península Ibérica; hoje, em Portugal, só está presente no Gerês. Esta espécie pode regressar a várias zonas de Portugal desde as serras de Aire e Candeeiros aos penhascos do Douro Internacional, passando pela Serra da Estrela. Para além de poder ser uma aliada na prevenção de incêndios é uma importante presa do lobo-ibérico, o que poderia ajudar a diminuir o ataque a animais domésticos, beneficiando produtores regionais. O castor-europeu, depois de estar reduzido a poucas dezenas de exemplares no início do século XX, continua a sua expansão pela Europa, estando apenas ausente de Portugal, Itália e do Sul das Balcãs. Existem vários locais com potencial para o castor em Portugal, rios e ribeiras de Norte a Sul do país. Este roedor beneficia um grande número de outros seres vivos e é perito em restauro fluvial.
Dar mais espaço à natureza é uma escolha; conseguimos imaginar um Portugal mais selvagem?