A UE prefere animais “carismáticos” e “populares” — e isso prejudica a biodiversidade
A União Europeia precisa de uma nova estratégia para conservar a sua biodiversidade, já que, desde 1992, tem dado prioridade a vertebrados. Os predilectos são o urso, o lince e o lobo, diz estudo publicado na Proceedings of the Royal Society B.
A União Europeia tem animais preferidos. Pelo menos, é o que diz um estudo que avaliou os projectos do Programa LIFE para espécies animais, financiados pela UE entre 1992 e 2018.
Segundo a equipa de investigação, que também inclui cientistas portugueses, as espécies que “receberam” mais fundos foram o urso (Ursus arctos), o lobo (Canis lupus), o abetouro (Botaurus stellaris), o lince euro-asiático (Lynx lynx) e o lince-ibérico (Lynx pardinus). Mas o interesse nestes animais mais “carismáticos” pode estar a “enviesar os esforços de conservação”, secundarizando os restantes, conclui o estudo, publicado na revista Proceedings of the Royal Society B.
Um enviesamento que “é ainda mais notório quando observamos que a Europa tem cerca de 1800 espécies de vertebrados e 130.300 espécies de invertebrados conhecidas”, aponta Manuel Lopes-Lima, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) da Universidade do Porto. O apoio a projectos com espécies vertebradas foi seis vezes maior do que com invertebradas (970 contra 150 milhões de euros), nota Ronaldo Sousa, investigador no Centro de Biologia Molecular e Ambiental (CBMA) e professor do Departamento de Biologia da Escola de Ciências da UMinho.
Isto significa que aves e mamíferos representaram 72% das espécies contempladas e 75% do orçamento total atribuído. Pedro Cardoso, da Universidade de Helsínquia, vinca que o Programa LIFE cobriu 23% dos vertebrados e apenas 0,06% dos invertebrados da UE.
Segundo Ricardo Correia, da mesma academia finlandesa, o esforço de conservação é explicado principalmente pela popularidade da espécie (medida pelo volume de pesquisas “online” nos últimos 10 anos), em vez do seu risco real de extinção.
Contando com a assinatura de investigadores portugueses das universidades do Minho, Porto e Helsínquia, capital da Finlândia, o estudo junta ainda autores de instituições de Itália e França.
A Directiva Habitats e o Programa LIFE foram avaliados neste estudo, com o objectivo de apoiar a futura agenda do sector. A nova Estratégia da UE para a Biodiversidade 2030 foi lançada em Maio e propõe revolucionar a maneira como é feita a conservação da natureza, com um investimento estimado em 20 mil milhões de euros anuais para a protecção da biodiversidade e dos seus habitats.
Para os autores do estudo, há uma “necessidade premente” de a UE mudar de paradigma neste âmbito, que passa por rever a lista de espécies contida na Directiva Habitats e por atentar na conservação de espécies realmente ameaçadas e dos seus habitats.
Defendem ainda uma aposta financeira “mais equitativa” e que permita diminuir as desigualdades entre espécies de vertebrados e invertebrados apoiadas. “Só assim é que a UE liderará o mundo pelo exemplo e acção no que diz respeito à conservação da biodiversidade, concluem.