De Marvila, com amor: estes postais dão voz a uma comunidade

"Tirei este retrato ao Sr. Francisco numa das minhas visitas às hortas urbanas do Vale de Chelas. Neste dia comemos uma cachupa tradicional de Cabo Verde, feita no lume da fogueira. As visitas fotográcas à horta eram momentos de convívio e de uma enorme receptividade por quem me recebia. Ficava sempre combinado voltar novamente." Sr. Francisco, Hortas Urbanas do Vale de Chelas. Marvila, 2016 ©Luis Rocha
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"Tirei este retrato ao Sr. Francisco numa das minhas visitas às hortas urbanas do Vale de Chelas. Neste dia comemos uma cachupa tradicional de Cabo Verde, feita no lume da fogueira. As visitas fotográcas à horta eram momentos de convívio e de uma enorme receptividade por quem me recebia. Ficava sempre combinado voltar novamente." Sr. Francisco, Hortas Urbanas do Vale de Chelas. Marvila, 2016 ©Luis Rocha

Ao longo de quatro meses, dez fotógrafos documentaram o quotidiano dos muitos habitantes da freguesia de Marvila, em Lisboa. Juntos, respondendo ao desafio colocado pelo Movimento de Expressão Fotográfica, quiseram "construir a memória actual da freguesia com as histórias vivas da comunidade", refere a associação sem fins lucrativos sediada em Lisboa, em comunicado dirigido ao P3. Parte das imagens que compõem as dez narrativas fotográficas realizadas ao abrigo do projecto A Memória do Agora serão distribuídas sob forma de postais pela freguesia de Marvila, dando voz aos muitos rostos que formam aquela comunidade.

A força daqueles que lutam no Marvila Fight Club, a destreza dos jogadores do Futebol Clube de Chelas, a paixão de José Sobral pelos pombos, o dia-a-dia de Sam The Kid, do senhor Francisco, de Maria Alice e do António, da dona Augusta e da dona Autora, na sua grande maioria cidadãos anónimos de Marvila, estão patentes nas imagens do projecto que será apresentado, via Zoom, este sábado, 5 de Dezembro, às 19h. Nessa sessão pública, cada capítulo do projecto será apresentado pelo seu autor, que terá oportunidade de partilhar a sua experiência no terreno com quem quiser participar.

Tânia Araújo, orientadora e participante no projecto, apontou a lente ao Bairro do Condado – anteriormente conhecido por Zona J. "Optei por acompanhar um casal de moradores dos edifícios desenhados por Tomás Taveira", disse ao P3, em entrevista por email. "Eles vivem no bairro há 28 anos e acompanharam todas as mudanças, desde a altura em que era todo branco até hoje. Viram esbater-se as cores garridas dos prédios, desgastadas pelo tempo, e o bairro a mudar de nome." Ao lado dos prédios encontrou um senhor chamado Joe, "cabo-verdiano que vive na parte de trás de uma carrinha de congelados". Garante que ficou impressionada com "o sentido de comunidade" dos moradores. "Permitem que Joe tome banho nas suas casas, dão-lhe ferro velho para que possa vender", descreve.

O nome do bairro pode ter mudado, mas muita da pobreza pela qual era conhecido mantém-se. E o estigma associado também. "É verdade que os tempos mudaram e que a sociedade já não olha para os bairros sociais da mesma forma. A mudança de nome do bairro surge também no sentido de livrá-lo da sua má reputação. Mas ainda há moradores que optam por não revelar, em conversa com conhecidos ou colegas de trabalho, o sítio onde vivem, por medo de serem olhados de forma diferente." O casal que acompanhou durante o desenvolvimento do projecto nunca teve uma voz. "Nunca tiveram oportunidade de mostrar o outro lado deste bairro. Não existem apenas histórias de violência, de vidas paralelas; também existem pessoas cujo dia-a-dia é ir para o emprego e voltar, criar os filhos da melhor forma possível." A chave, refere, é diversidade.

Para além dos postais, A Memória do Agora também será editado em livro, com apoio da Junta de Freguesia de Marvila e da Câmara Municipal de Lisboa. "Uma nota positiva, no ano em que a associação celebra os seus 20 anos de existência", remata a fotógrafa.

"Sempre encarei as hortas urbanas, cultivadas em áreas públicas, como espaços sócio-económicos e culturais, entendo-as como pertença de um modelo de intervenção pessoal e de recuperação da memória rural num contexto urbano. Promovem, além da produção de produtos hortícolas, o convívio entre os vários vizinhos, familiares e amigos, que muitas vezes se juntam e se ajudam entre si." Sr. Francisco, hortas urbanas do Vale de Chelas. Marvila, 2014
"Sempre encarei as hortas urbanas, cultivadas em áreas públicas, como espaços sócio-económicos e culturais, entendo-as como pertença de um modelo de intervenção pessoal e de recuperação da memória rural num contexto urbano. Promovem, além da produção de produtos hortícolas, o convívio entre os vários vizinhos, familiares e amigos, que muitas vezes se juntam e se ajudam entre si." Sr. Francisco, hortas urbanas do Vale de Chelas. Marvila, 2014 ©Luis Rocha
Bairro das Salgadas - Columbófila e Comunidade. (Marvila, 2020)
Bairro das Salgadas - Columbófila e Comunidade. (Marvila, 2020) ©Ana Isa
A 19 de Julho de 2017, o bairro de Chelas assiste ao nascimento do primeiro campo de futebol de praia em Lisboa. Localizado no clube futebol de Chelas, ao qual o apoio dos moradores é indiscutível, continua a ser uma referência no desenvolvimento da modalidade.
A 19 de Julho de 2017, o bairro de Chelas assiste ao nascimento do primeiro campo de futebol de praia em Lisboa. Localizado no clube futebol de Chelas, ao qual o apoio dos moradores é indiscutível, continua a ser uma referência no desenvolvimento da modalidade. ©Ana França
Marvila Fight Club
Marvila Fight Club ©Francisco Morais
“A primeira regra do Fight Club é: não se fala do Fight Club. A segunda regra do Fight Club é: não se fala do Fight Club." Fight Club (1999)
“A primeira regra do Fight Club é: não se fala do Fight Club. A segunda regra do Fight Club é: não se fala do Fight Club." Fight Club (1999) ©Francisco Morais
"(...) A mítica praceta em frente à casa onde cresceu, (...) recordou a altura em que levava o rádio cinzento com as cassetes que gravava em programas de rádio. "E ficávamos aqui a dançar na rua", contou." Sam The Kid
"(...) A mítica praceta em frente à casa onde cresceu, (...) recordou a altura em que levava o rádio cinzento com as cassetes que gravava em programas de rádio. "E ficávamos aqui a dançar na rua", contou." Sam The Kid ©João Pedro Morais
Numa visita à Azinhaga da Salgada conheci o Luís, o primeiro a “abrir-me as portas” para o passado daquele lugar. Mostrou-me a sua casa, o seu quintal, a vista assombrosa que tem sobre Marvila, falou-me das suas memórias de infância e apresentou-me aos moradores mais antigos do arco nº105. Como costuma dizer com este mesmo sorriso com que foi retratado “tenho a sorte de viver no campo no meio da cidade”.
Numa visita à Azinhaga da Salgada conheci o Luís, o primeiro a “abrir-me as portas” para o passado daquele lugar. Mostrou-me a sua casa, o seu quintal, a vista assombrosa que tem sobre Marvila, falou-me das suas memórias de infância e apresentou-me aos moradores mais antigos do arco nº105. Como costuma dizer com este mesmo sorriso com que foi retratado “tenho a sorte de viver no campo no meio da cidade”. ©Maria Abranches
"Uma casa é as ruínas de uma casa, uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra" * Nas escadinhas do nº105 vive um dos casais mais antigos da Azinhaga da Salgada. Odete e António, com 91 anos, recordam com saudade os tempos dos bailes e dos teatros organizados pela Comissão de Moradores de Marvila, num bonito palácio do século XVIII, agora em ruínas.
"Uma casa é as ruínas de uma casa, uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra" * Nas escadinhas do nº105 vive um dos casais mais antigos da Azinhaga da Salgada. Odete e António, com 91 anos, recordam com saudade os tempos dos bailes e dos teatros organizados pela Comissão de Moradores de Marvila, num bonito palácio do século XVIII, agora em ruínas. ©Maria Abranches
D. Aurora nunca esqueceu o que a mãe lhe ensinou: “o que damos com uma mão, recebemos com duas”. Fundadora do Grupo Gin (Grupo Inter-geracional Amigos dos Lóios”) em 2011 e sua vice-presidente, orgulha-se de promover e incentivar a vida em comunidade através da organização de passeios pelo país a preços simbólicos, almoços, bailaricos e festas na Praça, sobretudo dirigidos a trazer um brilho ao olhar dos mais seniores e dos que vivem mais sós.
D. Aurora nunca esqueceu o que a mãe lhe ensinou: “o que damos com uma mão, recebemos com duas”. Fundadora do Grupo Gin (Grupo Inter-geracional Amigos dos Lóios”) em 2011 e sua vice-presidente, orgulha-se de promover e incentivar a vida em comunidade através da organização de passeios pelo país a preços simbólicos, almoços, bailaricos e festas na Praça, sobretudo dirigidos a trazer um brilho ao olhar dos mais seniores e dos que vivem mais sós. ©Mafalda Monteiro
Sob um sol forte, vejo a sombra de uma pessoa que passa reetida numa parede. O seu anonimato contrapõe-se à inscrição explícita de Zona J, uma das mais conhecidas de Marvila.
Sob um sol forte, vejo a sombra de uma pessoa que passa reetida numa parede. O seu anonimato contrapõe-se à inscrição explícita de Zona J, uma das mais conhecidas de Marvila. ©Rita Castro
José Manuel Morais, 66 anos, natural de Cabo Verde, Ilha de Santo Antão, veio com 15 anos para Portugal. Demorou 6 dias a chegar. Pagou na altura cerca de 4 contos e 500 para vir de barco para Portugal. No dia a seguir que chegou, arranjou logo trabalho. Vive na zona de Marvila desde essa altura. Conhecido por todos no bairro como Joe, como ele diz: "este é o meu nominho".
José Manuel Morais, 66 anos, natural de Cabo Verde, Ilha de Santo Antão, veio com 15 anos para Portugal. Demorou 6 dias a chegar. Pagou na altura cerca de 4 contos e 500 para vir de barco para Portugal. No dia a seguir que chegou, arranjou logo trabalho. Vive na zona de Marvila desde essa altura. Conhecido por todos no bairro como Joe, como ele diz: "este é o meu nominho". ©Tânia Araújo
Maria Alice e António, naturais do norte de Portugal, vieram da Zona I viver para a Zona J no dia 28 de Janeiro de 1982. Estes prédios construídos pelo arquiteto Tomás Taveira inicialmente eram todos brancos, mas já quando estavam a viver aqui, viram esta mudança de cor. Na altura as cores eram fortes, hoje 38 anos depois as cores estão esbatidas.
Maria Alice e António, naturais do norte de Portugal, vieram da Zona I viver para a Zona J no dia 28 de Janeiro de 1982. Estes prédios construídos pelo arquiteto Tomás Taveira inicialmente eram todos brancos, mas já quando estavam a viver aqui, viram esta mudança de cor. Na altura as cores eram fortes, hoje 38 anos depois as cores estão esbatidas. ©Tânia Araújo
"Estas amostras são usadas na pesca ao corripo ou corrico, praticada com um aparelho de anzol constituído por uma linha simples com até três anzóis ou amostras que podem ter acoplados anzóis tipo fateixa, rebocado à superfície ou subsuperfície por uma embarcação ou a partir da costa. O movimento natural e realista das amostras atrai o peixe para o anzol. Na imagem, temos um conjunto de amostras de vinil de fabrico artesanal, onde foram usados desperdícios de outras amostras associando-lhe desperdícios de chumbo moldado em forma de cabeça de peixe."
"Estas amostras são usadas na pesca ao corripo ou corrico, praticada com um aparelho de anzol constituído por uma linha simples com até três anzóis ou amostras que podem ter acoplados anzóis tipo fateixa, rebocado à superfície ou subsuperfície por uma embarcação ou a partir da costa. O movimento natural e realista das amostras atrai o peixe para o anzol. Na imagem, temos um conjunto de amostras de vinil de fabrico artesanal, onde foram usados desperdícios de outras amostras associando-lhe desperdícios de chumbo moldado em forma de cabeça de peixe." ©Alexandre Carvalho