Fotografia
De Marvila, com amor: estes postais dão voz a uma comunidade
Ao longo de quatro meses, dez fotógrafos documentaram o quotidiano dos muitos habitantes da freguesia de Marvila, em Lisboa. Juntos, respondendo ao desafio colocado pelo Movimento de Expressão Fotográfica, quiseram "construir a memória actual da freguesia com as histórias vivas da comunidade", refere a associação sem fins lucrativos sediada em Lisboa, em comunicado dirigido ao P3. Parte das imagens que compõem as dez narrativas fotográficas realizadas ao abrigo do projecto A Memória do Agora serão distribuídas sob forma de postais pela freguesia de Marvila, dando voz aos muitos rostos que formam aquela comunidade.
A força daqueles que lutam no Marvila Fight Club, a destreza dos jogadores do Futebol Clube de Chelas, a paixão de José Sobral pelos pombos, o dia-a-dia de Sam The Kid, do senhor Francisco, de Maria Alice e do António, da dona Augusta e da dona Autora, na sua grande maioria cidadãos anónimos de Marvila, estão patentes nas imagens do projecto que será apresentado, via Zoom, este sábado, 5 de Dezembro, às 19h. Nessa sessão pública, cada capítulo do projecto será apresentado pelo seu autor, que terá oportunidade de partilhar a sua experiência no terreno com quem quiser participar.
Tânia Araújo, orientadora e participante no projecto, apontou a lente ao Bairro do Condado – anteriormente conhecido por Zona J. "Optei por acompanhar um casal de moradores dos edifícios desenhados por Tomás Taveira", disse ao P3, em entrevista por email. "Eles vivem no bairro há 28 anos e acompanharam todas as mudanças, desde a altura em que era todo branco até hoje. Viram esbater-se as cores garridas dos prédios, desgastadas pelo tempo, e o bairro a mudar de nome." Ao lado dos prédios encontrou um senhor chamado Joe, "cabo-verdiano que vive na parte de trás de uma carrinha de congelados". Garante que ficou impressionada com "o sentido de comunidade" dos moradores. "Permitem que Joe tome banho nas suas casas, dão-lhe ferro velho para que possa vender", descreve.
O nome do bairro pode ter mudado, mas muita da pobreza pela qual era conhecido mantém-se. E o estigma associado também. "É verdade que os tempos mudaram e que a sociedade já não olha para os bairros sociais da mesma forma. A mudança de nome do bairro surge também no sentido de livrá-lo da sua má reputação. Mas ainda há moradores que optam por não revelar, em conversa com conhecidos ou colegas de trabalho, o sítio onde vivem, por medo de serem olhados de forma diferente." O casal que acompanhou durante o desenvolvimento do projecto nunca teve uma voz. "Nunca tiveram oportunidade de mostrar o outro lado deste bairro. Não existem apenas histórias de violência, de vidas paralelas; também existem pessoas cujo dia-a-dia é ir para o emprego e voltar, criar os filhos da melhor forma possível." A chave, refere, é diversidade.
Para além dos postais, A Memória do Agora também será editado em livro, com apoio da Junta de Freguesia de Marvila e da Câmara Municipal de Lisboa. "Uma nota positiva, no ano em que a associação celebra os seus 20 anos de existência", remata a fotógrafa.