As mulheres soldado que transportam as vítimas de covid-19 quebram tabus no Nepal

Mulheres soldado em equipamentos de protecção individual estão a ser destacadas para manusear os corpos das vítimas de covid-19, no Nepal, onde uma mulher tocar num cadáver ainda é um tabu cultural.

Uma mulher soldado coloca uma grinalda oferecida pelos familiares de uma vítima do novo coronavírus Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Fotogaleria
Uma mulher soldado coloca uma grinalda oferecida pelos familiares de uma vítima do novo coronavírus Reuters/NAVESH CHITRAKAR

As imagens de mulheres a pegarem em cadáveres, no Nepal, seriam inimagináveis no passado recente do país conservador, descreve a Reuters. Mas os corpos envoltos em plástico grosso, irreconhecíveis, também não são um cenário normal. A pandemia de covid-19 obrigou a medidas de emergência no país com 30 milhões de habitantes — e, com elas, à destruição de tabus culturais

Esta é a primeira equipa de mulheres soldado destacada para manusear e transportar vítimas do novo coronavírus das morgues dos hospitais para os crematórios, onde os familiares os aguardam para um último adeus, atrás dos portões. Cabe-lhes a elas, escondidas em equipamentos de protecção individual, prestar uma última homenagem. Muitas vezes, isto envolve colocar no morto a grinalda de flores oferecida pela família que, impedida de entrar, atira calêndulas e pó ocre através da vedação.

No primeiro dia de trabalho, em Novembro, as quatro protagonistas da reportagem fotográfica da Reuters transportaram seis corpos. "Sinto-me privilegiada e feliz por ter a oportunidade de fazer um trabalho que, até agora, só foi feito por homens, disse Rachana, cabo de 25 anos que pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome. "Mulheres já foram destacadas para combate, hospitais, artilharia, engenharia e desastres. Mas esta é primeira que vez que manuseiam cadáveres de hospitais", relata Shantosh B. Poudyal, o porta-voz do exército com 95 mil militares. "Pode-se dizer que se estão a quebrar barreiras."

No país nos Himalaias, já morreram mais de 15oo pessoas com covid-19 e o foram registados mais de 233 mil infectados. Fazer a contagem das mortes é um desafio, uma vez que os testes são limitados e, por isso, especialistas dizem que os números reais poderão ser muito mais elevados do que os dados oficiais. Os profissionais de saúde preparam-se para um Inverno difícil, mas a capacidade das infra-estruturas hospitalares está longe de os deixar descansados. 

Nos crematórios, os corpos aguardam, incógnitos, não fosse a etiqueta com o nome e a idade. "O trabalho é fisicamente exigente", relata Krishna Kumari, sargento de 37 anos. "E, durante a pandemia, nós provamos que as mulheres são capazes de executar tarefas difíceis."

Mulheres soldados descansam depois de um dia a manusear corpos das vítimas de covid-19, , num país maioritariamente hindu, onde mulheres tocarem em cadáveres ainda é tabu
Mulheres soldados descansam depois de um dia a manusear corpos das vítimas de covid-19, , num país maioritariamente hindu, onde mulheres tocarem em cadáveres ainda é tabu Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Mulheres soldados em equipamentos de protecção individual levantam uma maca com uma pessoa que morreu de covid-19, enquanto os familiares dizem o último adeus num crematório em Katmandu, no Nepal.
Mulheres soldados em equipamentos de protecção individual levantam uma maca com uma pessoa que morreu de covid-19, enquanto os familiares dizem o último adeus num crematório em Katmandu, no Nepal. Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Rashmi, cabo com 25 anos que apenas revelou o seu primeiro nome, é fotografada pela janela de um quarto depois de terminar uma quarentena, junto dos quartéis do exército em Katmandu
Rashmi, cabo com 25 anos que apenas revelou o seu primeiro nome, é fotografada pela janela de um quarto depois de terminar uma quarentena, junto dos quartéis do exército em Katmandu Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Mulheres soldados em equipamentos de protecção individual prestam homenagem a vítimas de covid-19
Mulheres soldados em equipamentos de protecção individual prestam homenagem a vítimas de covid-19 Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Familiares de luto à porta de um crematório
Familiares de luto à porta de um crematório Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Krishna Kumari, saragento de 37 anos, Rashmi, cabo de 25 anos, Leela, soldado raso de 25 anos, e Rachana, cabo de 25 anos, sorriem para uma fotografia de grupo depois de saírem de quarentena
Krishna Kumari, saragento de 37 anos, Rashmi, cabo de 25 anos, Leela, soldado raso de 25 anos, e Rachana, cabo de 25 anos, sorriem para uma fotografia de grupo depois de saírem de quarentena Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Os óculos de uma das mulheres soldado cobertos de vapor, depois de um dia de trabalho
Os óculos de uma das mulheres soldado cobertos de vapor, depois de um dia de trabalho Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Uma mulher soldado desinfecta um boneco durante uma formação para aprender a manusear corpos de pessoas infectadas com o novo coronavírus
Uma mulher soldado desinfecta um boneco durante uma formação para aprender a manusear corpos de pessoas infectadas com o novo coronavírus Reuters/NAVESH CHITRAKAR
O transporte de corpos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus
O transporte de corpos de pessoas infectadas pelo novo coronavírus Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Krishna Kumari e Leela apanham ar fresco numa varanda, enquanto aguardam pelo fim da quarentena
Krishna Kumari e Leela apanham ar fresco numa varanda, enquanto aguardam pelo fim da quarentena Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Um corpo aguarda na morgue, antes das mulheres soldado chegarem para o transportar até ao crematório
Um corpo aguarda na morgue, antes das mulheres soldado chegarem para o transportar até ao crematório Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Mulheres soldado preparam-se para transportar vítimas de covid-19 de uma morgue para o crematório
Mulheres soldado preparam-se para transportar vítimas de covid-19 de uma morgue para o crematório Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Segundos antes de ser levantada a quarentena das mulheres soldado
Segundos antes de ser levantada a quarentena das mulheres soldado Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Mulheres soldado tomam o pequeno-almoço durante a quarentena,Mulheres soldado tomam o pequeno-almoço durante a quarentena
Mulheres soldado tomam o pequeno-almoço durante a quarentena,Mulheres soldado tomam o pequeno-almoço durante a quarentena Reuters/NAVESH CHITRAKAR
O edifício onde as mulheres soldado se isolam
O edifício onde as mulheres soldado se isolam Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Os equipamentos de protecção individual são queimados
Os equipamentos de protecção individual são queimados Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Rachana desinfecta as mãos
Rachana desinfecta as mãos Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Uma mulher soldado durante a desinfecção do equipamento de protecção individual
Uma mulher soldado durante a desinfecção do equipamento de protecção individual Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Uma equipa de mulheres soldado designada para manusear os corpos de vítimas do novo coronavírus, num país maioritariamente hindu, onde mulheres tocarem em cadáveres ainda é tabu
Uma equipa de mulheres soldado designada para manusear os corpos de vítimas do novo coronavírus, num país maioritariamente hindu, onde mulheres tocarem em cadáveres ainda é tabu Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Durante uma formação
Durante uma formação Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Uma aula teórica antes da formação prática para aprenderem a manusear corpos de vítimas do novo coronavírus
Uma aula teórica antes da formação prática para aprenderem a manusear corpos de vítimas do novo coronavírus Reuters/NAVESH CHITRAKAR
Uma mulher soldado coloca uma grinalda oferecida pelos familiares de uma vítima do novo coronavírus
Uma mulher soldado coloca uma grinalda oferecida pelos familiares de uma vítima do novo coronavírus Reuters/NAVESH CHITRAKAR