Na serra da Penoita, terra dura e linda, vivem pastores, pedras e cinzas

Sempre que Adriano Miranda passava na A25 pela placa que indica “Penoita” pensava: “Um dia tenho de ir lá”. E um dia fomos para descobrir um canto onde um incêndio deixou terra queimada, mas também pequenos oásis de floresta autóctone. Um canto de aldeias pequenas onde habitam pastores, de planaltos sagrados onde uma pedra não é apenas uma pedra.  

Vouzela - Serra da Penoita Adriano Miranda
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Vouzela - Serra da Penoita Adriano Miranda

Irene Silva conhece todos os caminhos aqui neste planalto impetuoso, onde as rochas desenham caprichos (e algumas têm “escamas”). Aponta o horizonte fechado em montes que escondem montes e recita as coordenadas geográficas: a anta (da Malhada do Cambarinho) - aponta para o meio da charneca, “Consegue vê-la? Venha aqui, vê-se a ‘capa’” -; o Outeiro da Janela; o Outeiro dos Ninhos, “em cima”; “aquém” o das Ladeirinhas; Valobo, “por detrás daquele carvalho”; “abaixo das antenas”, Vale do Raposo; “lá em cima”, o Outeiro das Gouveias; “na eólica mais alta”, o Monte Agudo, “divide Vouzela e Tondela”. Não temos a certeza de que miramos sempre na direcção certa, mas não importa: olhe-se para onde seja aqui na serra da Penoita (Vouzela) e há algo de pétreo que se sobrepõe, que grita a dureza desta terra - mesmo ao lado da A25, praticamente sobre o IP5, mas tão longe de tudo.

“Vou por estas estradas fora, com estas pedras maravilhosas”, diz a pastora, 57 anos feitos mais pesados por dois AVC e uma leucemia, e amparados por uma muleta e um pau, “há quartzo, um bocadinho de pedra de Ançã, xisto. Em dias de sol…”. Hoje, primeira semana de Novembro, o sol e a chuva revezam-se com regularidade; o frio, esse, é constante. E o vento. “Está mais frio do que quando neva”, dir-nos-ão a caminho da aldeia de Adsamo, onde quem arranja os postes de electricidade acende fogueiras à beira da estrada, “para aquecer” - nessa altura é quase “final” do dia: às 17h, nestas aldeias, é hora de regressar com os animais. Uma hora antes, não se vê (quase) ninguém e percorrem-se as estradas de montanha parando em cada curva, a cada uma nova perspectiva para o cenário que deslumbra: rude, agreste, abandonado - queimado.

Na aldeia Joana Martins - “dizem que foi a primeira mulher a viver aqui. Já ouvia dos meus avós e eles dos avós deles” -, uma figura imóvel, numa rocha rodeada de cabras. Está de costas para a estrada, imóvel na sua capucha negra, comprada há muitos anos na feira de Oliveira de Frades. Fátima, 34 anos, é, “por preferência”, pastora. Também trabalha a terra e é ajudante de cozinha, ao fim-de-semana. “Estive fora uns anos e voltei. Estive em Paris, pelo dinheiro.” Quer aumentar o rebanho, de 20 cabras. “Este sossego, esta paz… Dá qualidade de vida que não se encontra em muitos sítios”, diz, “mas a vida é muito dura, muito isolada.”

Normalmente, leva as suas cabras para “bem mais longe”. Hoje ficou pelo centro da aldeia, várias casas de pedra esventradas. “Ficaram assim com os incêndios.” Ainda lhe custa recordar o incêndio de 2017, “nunca ninguém tinha vivenciado nada assim”. Arderam casas, animais - “Graças a Deus não morreu ninguém aqui, mas na freguesia [Ventosa] sim.”

Há esqueletos de árvores nas encostas com vistas para a A25 e IP5 que aqui correm quase paralelas - foram carvalhos, bétulas, castanheiros. É um cenário bruto, de penedos e troncos queimados, de vez em quando casas em ruínas, a serem lentamente engolidas por vegetação. Arderam árvores, ardeu o carvalhal “muito antigo e denso” - “Foi praticamente todo”. Perto do parque de merendas da Penoita (onde tem início o Trilho da Penoita, 13 quilómetros de rota circular), encontramos ainda um “oásis” de carvalhos vestidos de amarelos, castanhos e alguns vermelhos e caminha-se sobre um manto denso de folhas velhas. Em volta, para cima, para os lados, para baixo, o terreno foi limpo, a madeira queimada tirada e a que sobrou arruma-se na beira da estrada, à espera de ser vendida.

“Isto não é o que era”, lamenta Irene Silva, “antes havia muitas árvores, não aqui [no planalto], mas aqui não tinha estas giestas, tão altas.” Também fala dos incêndios que lhe levaram, além do mais, “todos os animais”. Agora tem um pequeno rebanho de 14 cabras e dois bodes. “Isto é um hobby. Tira-se leite, estruma-se os terrenos” - faz queijo e pratica agricultura biológica, “porque a natureza está doente”. Mas ali ao lado da estrada, recolhe um trunfo: um “tartulho”, como se diz por ali, ou “sentieiro” - mostra-nos orgulhosa o cogumelo gigante.

Seguimos em direcção ao dólmen da Malhada do Cambarinho (ou Casa da Orca, como também é conhecida), atravessando uma ponte de madeira novinha e subindo o carreiro entre giestas que nos ultrapassam a altura. A anta, onde em criança Fátima se abrigava da chuva, numa clareira entre a vegetação, é um dos vários monumentos que compõem a Rota do Megalitismo aqui - na placa junto da estrada fala-se do “carácter sagrado deste planalto”.

Mais adiante, depois do açude, o planalto desfaz-se num vale encantado, onde o incêndio não chegou, de arvoredos agora em ostentoso traje outonal, luz coada, ribeiro nervoso que desce a encosta e desaparece momentaneamente debaixo da estrada, gado a pastar em campos verdejantes. Era este, imaginamos, o cenário que Irene e Fátima tinham nas outras encostas, agora nuas e ainda com restos de cinzas. Mas, mesmo nessas, Fátima não se cansa: “É muito lindo isto”, afirma, olhos postos no horizonte largo, de planície e mais montes (vista de São Pedro do Sul, Castro Daire e Vouzela, garante) “e à noite, com as luzinhas que se acendem, ainda mais”.

Vouzela - Serra da Penoita
Vouzela - Serra da Penoita Adriano Miranda
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Vouzela - Serra da Penoita Adriano Miranda
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