Fotografia
Tchernobil: uma expedição ilegal à cidade-fantasma que ficou “congelada” em 1986
O britânico Darmon Richter conhece a zona de exclusão de Tchernobil como a palma da mão. O seu mais recente fotolivro, Chernobyl: A Stalkers' Guide, lembra que na zona existe “uma sensação de tristeza que, depois de a visitares, nunca te abandona”.
Na noite de 25 para 26 de Abril de 1986, o reactor número 4 da estação nuclear de Tchernobil, na Ucrânia, foi submetido a um teste de resistência. O resultado é conhecido de todos. A explosão que resultou desse falhanço lançou para a atmosfera uma nuvem radioactiva de intensidade 400 vezes superior à bomba atómica lançada pelos Estados Unidos sobre Hiroxima. A permanência da radiação no ar e solo de Tchernobil, e da área circundante, obrigou à criação de uma zona de exclusão de 30 quilómetros de raio, tendo como epicentro a central nuclear acidentada.
Foi essa mesma zona que o fotógrafo e guia turístico britânico Darmon Richter visitou e documentou durante três anos, para mais tarde editar o fotolivro Chernobyl: A Stalkers’ Guide. “Desde o acidente que Tchernobil se tornou sinónimo de morte: uma paisagem envenenada, um cemitério radioactivo”, disse ao P3, em entrevista. É esse o cenário que procuram os milhares de turistas que visitam o local da tragédia todos os anos – e aquele que, efectivamente, encontram, graças ao esforço levado a cabo por empresas de turismo e fotógrafos, que adulteram o local no sentido de o tornar mais dramático. “Durante a primeira visita que fiz à central nuclear, em Pripyat, em 2013, era notório que alguns objectos tinham sido sido posicionados a posteriori em lugares improváveis, mas impactantes. Os guias turísticos, os fotógrafos e até mesmo alguns jornalistas mudavam as coisas de lugar para obterem cenários mais dramáticos.” Apesar disso, Tchernobil só foi reconhecida oficialmente pelo Governo ucraniano como uma atracção turística em 2019, ano aliás em que se estreou a popular série Chernobyl.
As visitas guiadas à zona de exclusão, que só podem ser feitas por civis acompanhadas por guias de empresas de turismo concessionadas, custam entre 100 e 200 euros – uma quantia que pode ser razoável para europeus ou norte-americanos, tendo em conta os salários praticados; porém, para um ucraniano, cujo salário mínimo ronda os 200 euros, visitar Tchernobil é um luxo inacessível. “Não me parece justo que um ucraniano não tenha poder económico para visitar um lugar tão relevante da sua história nacional”, refere o fotógrafo, em entrevista ao P3. “Por esse motivo, entendo que muitos decidam avançar para uma visita ilegal.”
Não só entendeu, como decidiu embarcar na aventura e visitar Tchernobil com um grupo de visitantes ilegais, denominados stalkers. Richter passou, assim, quatro dias na zona de exclusão. “Fico contente por ter ido”, confessa, com um sorriso. “Mas foi incrivelmente stressante, não o faria novamente. Dormíamos em casas abandonadas, sempre escondidos da polícia ucraniana.” O risco de ser apanhado é elevado, mas a multa não é avultada. “A lei é antiga. Quem é apanhado ilegalmente em zonas concessionadas paga 20 euros de coima. Ou seja, é mais fácil e mais barato saltar uma rede de arame farpado do que pagar um bilhete.” Há até stalkers que, cansados de percorrer quilómetros a pé no interior da zona de exclusão, optam por serem apanhados para aproveitarem uma boleia de carro até ao exterior. “O Governo ucraniano tenciona penalizar criminalmente o trespasse e aumentar o valor das coimas num futuro próximo”, refere o fotógrafo.
A expedição ilegal é descrita num dos capítulos do fotolivro de mais de 200 páginas, editado pela londrina FUEL Design & Publishing. Nos restantes, Richter descreve a Tchernobil dos últimos anos – que é diferente da de 2020, marcada por fogos florestais que, em Abril, devolveram à superfície níveis de radiação preocupantes. Paisagens de abandono, marcadas pela forte estética soviética, enchem as páginas do livro do britânico, assim como imagens de aldeias abandonadas, com casas, lojas e fábricas congeladas em 1986. Mas não só. “Hoje vivem cerca de 700 pessoas na zona de exclusão”, relembra. “Essas pessoas plantavam os seus legumes e consumiam água local, porque a ameaça da radiação estava sob controlo. Há equipas que vão, regularmente, realizar medições.”
Hoje, após os incêndios e a paragem do turismo forçada pela covid-19, a cidade-fantasma encontra-se, mais uma vez, em suspenso. Richter, que vive na Bulgária, tenciona voltar, em breve. “Existe, em Tchernobil, uma sensação de tristeza que, depois de visitares, nunca te abandona.”