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Um dia com pouca gente a ir aos cemitérios de Lisboa

Tradicionalmente um dia em que muitos aproveitam para visitar os seus familiares já falecidos, o 1º de Novembro ficou inevitavelmente marcado pela pandemia e pela necessidade de distância.

No cemitério de Benfica, a afluência foi muito baixa nos últimos dias Nuno Ferreira Santos
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No cemitério de Benfica, a afluência foi muito baixa nos últimos dias Nuno Ferreira Santos

A voz que se ouve ao longe é de Rita, vestida de preto mas bem alegre no seu luto. Como habitualmente a cada quinze dias, veio visitar a campa da mãe, contar-lhe as novidades da semana e pôr flores frescas na terra, ainda sem lápide. “Adoro, adoro vir aqui. Sinto-me sempre tão bem”, diz, toda sorrisos, sem que seja preciso perguntar-lhe o que seja.

A pouca distância está outra mulher, que vem chorar a morte de um filho. As duas não se conheciam até este domingo, o 1º de Novembro mais anormal dos últimos anos. A mãe de Rita e o filho de Luísa morreram com poucos dias de diferença, em Fevereiro, e estão enterrados no mesmo talhão do cemitério do Alto de São João, em Lisboa.

Neste Dia de Todos-os-Santos, que antecede o Dia de Finados em que muitos visitam as campas de entes queridos, a afluência está muito abaixo do normal e circula-se pelo cemitério sem qualquer preocupação em manter distâncias, tão pouca é a gente. Um funcionário da Câmara de Lisboa informa que até ao meio-dia apareceram 610 pessoas e que não estiveram mais do que 200 em simultâneo. Para um espaço com 21 hectares, é quase como se estivesse vazio.

“Eu gosto tanto de estar aqui, é a minha segunda casa”, vai dizendo Rita. Noutro dia, enquanto conversava com a mãe em voz alta, um homem que passava pensou que ela estava a falar com ele. Quando Rita lhe esclareceu o equívoco, “o homem fugiu a sete pés”. A mulher dá uma gargalhada, a recém-conhecida também não evita o riso. Diz-lhe Rita que tenha força, que fixe na cabeça que ela ali estará sempre de duas em duas semanas, que pode falar-lhe à vontade, que o seu optimismo é inesgotável.

Lá mais para baixo, José Luís e o sobrinho põem flores na gaveta de familiares e lamentam que este ano não se cumpra uma tradição de sempre. “Há décadas que na nossa casa há uma feijoada à transmontana neste dia”, sorri José Luís, emaranhado em recordações. “O que isto era, uma loucura. Os eléctricos, os autocarros cheios de gente, a Parada do Alto de São João cheia de floristas à volta. Nos últimos anos já se tem tido muito menos pessoas, mas neste está mesmo muito pouca gente.”

Em Benfica, mal abriu o cemitério, a octogenária Teresa dirigiu-se ao local onde estão depositadas as cinzas do marido. Veio de Campolide bem cedo para evitar confusões. “Tive medo que a polícia não me deixasse passar”, conta, sentada no muro baixo junto à relva, prestes a mergulhar em silêncio profundo. “Estive muito tempo sem cá vir por causa disto.”

“Isto” é a pandemia e a necessidade de distância dos outros, que durante estes dias levou à proibição de circular entre concelhos. Ao longo da semana, quem pôde veio renovar flores e limpar campas. Por isso, este domingo, a romagem foi muito menos concorrida.

Teresa, de 85 anos, veio de manhã cedo porque receou que não a deixassem entrar
Teresa, de 85 anos, veio de manhã cedo porque receou que não a deixassem entrar Nuno Ferreira Santos
Teresa faz silêncio junto ao local onde estão as cinzas do marido
Teresa faz silêncio junto ao local onde estão as cinzas do marido Nuno Ferreira Santos,Nuno Ferreira Santos
Maria veio ao cemitério na sexta-feira pôr flores, temendo uma enchente no fim-de-semana. Não aconteceu
Maria veio ao cemitério na sexta-feira pôr flores, temendo uma enchente no fim-de-semana. Não aconteceu Nuno Ferreira Santos
No Alto de São João, Rita veio como habitualmente todos os quinze dias visitar a campa da mãe
No Alto de São João, Rita veio como habitualmente todos os quinze dias visitar a campa da mãe Nuno Ferreira Santos
Rita, alegre, tenta dar força a uma mulher que acabou de conhecer
Rita, alegre, tenta dar força a uma mulher que acabou de conhecer Nuno Ferreira Santos
Isabel acende uma vela ao companheiro, falecido há quatro anos
Isabel acende uma vela ao companheiro, falecido há quatro anos Nuno Ferreira Santos
O sobrinho de José Luís coloca flores na gaveta dos pais
O sobrinho de José Luís coloca flores na gaveta dos pais Nuno Ferreira Santos
O chão dos cemitérios tem sentidos de circulação, mas as pessoas são tão poucas que manter a distância não é difícil
O chão dos cemitérios tem sentidos de circulação, mas as pessoas são tão poucas que manter a distância não é difícil Nuno Ferreira Santos