Cinco grandes inovações em cancro da mama
Vivemos numa “era mais rosa”, uma vez que temos ao nosso dispor, incluindo em Portugal, inúmeras ferramentas úteis e inovadoras que aumentam a qualidade da prestação dos cuidados de saúde ao doente com cancro da mama.
Ao longo dos últimos anos, temos assistido em Portugal, à semelhança do que acontece à escala global, a um aumento regular da incidência e da prevalência do cancro da mama. No entanto, esta realidade poderá reflectir, paradoxalmente, uma perspectiva mais favorável, uma vez que os programas de rastreio identificam cada vez mais casos e a sobrevivência destes doentes tem vindo também a aumentar graças aos avanços da ciência e ao empenho dos profissionais da área.
Apesar do clima pandémico que assola teimosamente a nossa realidade, são também muitas as inovações, incluindo no cancro da mama, que nos permitem encarar o presente e o futuro com mais esperança. A melhor compreensão dos mecanismos envolvidos no aparecimento e desenvolvimento deste tipo de cancro tem possibilitado a definição de novas estratégias que interferem de forma mais decisiva na história natural da doença.
Vivemos numa “era mais rosa”, uma vez que temos ao nosso dispor, incluindo em Portugal, inúmeras ferramentas úteis e inovadoras que aumentam a qualidade da prestação dos cuidados de saúde ao doente com cancro da mama.
Karl Adam (1876-1966), teólogo católico alemão, afirmava o seguinte: “Cada ser humano é único; é uma palavra de Deus que não mais se repete.” Agora, independentemente das crenças ou dos credos, podemos afirmar também: “Cada cancro é único; é uma palavra do acaso que não mais se repete.” Nesse sentido, podemos antecipar, com mais segurança, o comportamento biológico de cada cancro da mama e a sua evolução dinâmica ao longo do tempo.
Realizar ou não quimioterapia
Os avanços tecnológicos incluem plataformas ou assinaturas de 1.ª e 2.ª geração que apoiam a decisão em realizar ou omitir a quimioterapia adjuvante (após a cirurgia), em determinados tipos de cancro da mama precoce e hormonossensível. Desta forma, poder-se-á evitar a realização de um tipo de tratamento com efeitos secundários e custos associados que não são menosprezáveis.
Tratamento cada vez mais personalizado e preciso
Existe também a capacidade de perscrutar as alterações genéticas de cada cancro da mama, com uma tecnologia sofisticada chamada Next Generation Sequencing (NGS). Este exame laboratorial consegue descodificar o ADN do cancro, ou seja, permitir a leitura do “código de barras” de cada tumor. Através da sequenciação de um painel alargado de genes, o clínico poderá antecipar possíveis mecanismos e/ou mutações de resistência ou de sensibilidade aos fármacos, possibilitando o desenho de um tratamento personalizado para cada cancro nas suas diferentes fases.
Microbiota e cancro da mama
E ainda... Apesar de carecer de mais validação científica, o estudo da relação da microbiota com o cancro da mama. A microbiota ou microbioma (mais conhecida por flora) compreende um conjunto heterogéneo de microrganismos (tais como bactérias, vírus e fungos) que colonizam o nosso trato gastrointestinal e outras regiões do nosso organismo. Esta “fauna polimicrobiana” que con(vive) em nós corresponde a cerca de dois quilos do nosso peso corporal, a mais de 50% do total das nossas células e a 99% do nosso código genético. Então, como podemos negligenciar que a maioria do nosso património genético e celular não seja puramente humano? Evidência recente aponta para que mulheres pós-menopáusicas com cancro da mama hormonossensível tenham uma flora intestinal diferente da de mulheres saudáveis, mais rica em bactérias produtoras da enzima β-glucuronidase.
Paralelamente, a metabolização dos ácidos gordos e dos fitoestrogénios pelas bactérias intestinais parece influenciar no risco e no prognóstico do cancro da mama. Noutro âmbito, a própria microbiota intestinal parece interferir com a eficácia e com os efeitos secundários dos fármacos utilizados no tratamento deste cancro.
Ao nível do tratamento, já temos em Portugal o acesso a medicamentos oncológicos inovadores que alteraram de forma indelével o paradigma na abordagem terapêutica do cancro.
Soluções no cancro da mama hereditário
O cancro da mama hereditário (5-10% dos casos) envolve mutações de genes que foram herdadas de gerações anteriores e que conferem um aumento de risco para cancro. Em 2007 foi identificada em Portugal a mutação fundadora BRCA2 c.156_157insAlu, que representa cerca de 40% de todas as mutações nos genes BRCA2 e mais de um terço da totalidade de BRCA1 e BRCA2. Recentemente, emergiu uma classe de medicamentos capaz de impedir a reparação das lesões no ADN, levando à morte das células tumorais. Estes fármacos demonstraram eficácia clínica no tratamento de doentes com cancro da mama e portadoras das mutações germinativas BRCA 1 e BRCA2. Noutra perspectiva, nos familiares também portadores dessas mutações, poderá ser oferecido um tipo de seguimento clínico/radiológico personalizado ou mesmo outras linhas de acção que incluam, por exemplo, a mastectomia bilateral profiláctica (cirurgia preventiva de remoção das duas mamas).
A imunoterapia no cancro mais agressivo
A imunoterapia constitui uma forma inovadora de tratamento para o cancro da mama, principalmente para o subtipo molecular “triplo negativo” (ausência de expressão de receptores de estrogénio, progesterona e de sobre-expressão da proteína transmembranária HER2). Através desta terapêutica induz-se uma activação do sistema imunitário, ou seja, das nossas “próprias defesas” que naturalmente nos protegem das infecções. Nesta “guerra imunitária”, as nossas tropas (glóbulos brancos) passam, novamente, ao contra-ataque, na tentativa de reconhecer o inimigo (células tumorais) e as suas capacidades, de forma a potenciar a sua aniquilação eficaz.
Num ano atípico, em que travamos uma autêntica guerra biológica com um adversário difícil e ainda por cima invisível, temos também a obrigação de nos focarmos noutras realidades paralelas, igualmente importantes e com consequências bem visíveis. O antropólogo médico norte-americano Merril Singer definiu, na década de 1990, um termo “sindemia” com o intuito de elucidar a realidade resultante da interacção de duas ou mais doenças e de que o seu impacto seria maior do que a mera soma de cada uma dessas enfermidades. Não podemos deixar que a pandemia covid-19 se transforme numa sindemia, até porque temos mais argumentos para encarar de frente os vários adversários. Hoje temos razões para nos sentirmos mais privilegiados e optimistas pela inovação crescente em torno do cancro da mama, em comparação com um passado recente em que estávamos mais descrentes.
“Na tempestade ou na bonança, haja sempre perseverança.” Este é um lema que me acompanha e que nunca fez tanto sentido como agora.