No Dia Mundial da Psoríase ainda é preciso lembrar que “contagioso é o preconceito”

A doença afecta cerca de 200 mil portugueses. Ao PÚBLICO, um médico, uma associação e uma doente sublinham a importância da prevenção e revelam que a discriminação ainda existe.

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A psoríase é uma doença auto-imune crónica DR

A doença afecta cerca de 2% da população mundial, mas quem a vive no dia-a-dia é testemunha do desconhecimento que ainda prevalece. No Dia Mundial da Psoríase, o apelo da Associação Portuguesa da Psoríase (PSOPortugal) é para que se quebre o estigma e se aposte na prevenção.

Para começar, Paulo Ferreira, médico dermatologista, explica que a psoríase é uma doença imuno-mediada, predominantemente auto-imune, característica que partilha com doenças como a esclerose múltipla ou a doença de Crohn. É crónica e, embora não tenha cura, há tratamento para todas as suas variantes. Em Portugal, aponta-se para que cerca de 200 mil pessoas sofram da doença.

Caracteriza-se pelo aparecimento de lesões avermelhadas na pele, com uma descamação esbranquiçada. É já na própria definição que o consultor científico da PSOPortugal e coordenador da Unidade de Psoríase do Hospital CUF Descobertas faz questão de desconstruir um dos primeiros mitos: “A psoríase não é uma doença contagiosa, não é uma doença infecciosa.” O facto de se manifestar em lesões visíveis “traz impactos muito negativos para o doente”, alerta, por causa dos “olhares indiscretos” de quem, por não saber o que é psoríase, associe as lesões a “doenças contagiosas”. Também por isso, o lema da associação com a qual trabalha há cerca de uma década é: “Contagioso é o preconceito”.

Paulo Ferreira destaca que a doença psoriática tem uma componente hereditária, havendo uma tendência para a agregação familiar dos casos. “Se um progenitor tem psoríase, a probabilidade de um dos filhos vir a ter é inferior a 10%”, explica. Contudo, se ambos os pais tiverem a doença, a probabilidade para que também afecte os filhos “sobe para valores até aos 40%”.

Mas o factor da genética não existe sozinho. A acção de “agentes desencadeantes” como infecções na infância, viroses sazonais, frio, traumatismos na pele, medicamentos, stress, ansiedade, álcool, tabaco em “convergência” com os genes herdades potenciam o aparecimento das lesões.

A inflamação sistémica, generalizada por todo o organismo repercute-se mais na pele, nas articulações e na componente cardio-metabólica. Fala-se então num “conjunto de doenças” ou da psoríase cutânea com as suas comorbilidades, a doença psoriática.

Além da pele, os doentes também têm, por exemplo, uma maior prevalência nos problemas relacionados com triglicerídeos e do colesterol ou mais propensão para serem doentes cardiovasculares. Uma das maiores preocupações prende-se com a artrite psoriástica. Uma manifestação da doença “muito invalidante”, que impede os doentes de “abotoar um botão, abrir uma garrafa ou uma porta”, exemplifica o especialista.

Mas as comorbilidades não se ficam pelo físico. “Há também a questão psico-psiquiátrica derivada da angústia, do stress, da baixa auto-estima”, sublinha Paulo Ferreira. No consultório já ouviu queixas de idas ao cabeleireiro, a restaurantes, piscinas e ginásios marcadas pela discriminação. Razões pelas quais os doentes com psoríase têm “mais depressões e reportam-se mais suicídios”.

“Até no acesso a determinadas profissões”, salienta, enquanto refere que “uma pessoa que tenha psoríase nas mãos tem muita dificuldade em trabalhar na restauração, por exemplo”. Mais uma vez, porque “ainda há muita ignorância e desconhecimento sobre a doença”.

Ainda que não tenham cura, todos os tipos de psoríase têm tratamentos. Um dos focos deve ser, por isso, a prevenção. “Quanto mais proactiva for a nossa atitude, muito melhor é o diagnóstico e o resultado final”, sublinha Paulo Ferreira. O especialista reforça que a ida a uma consulta de dermatologia o mais cedo possível ajuda a “travar a marcha” da doença e que hoje é possível “manter o doente livre de lesões” com uma pele “completamente ou quase totalmente limpa”. O avanço de novas terapêuticas biotecnológicas vieram “revolucionar a abordagem” até nos casos mais graves. “Conseguimos sair de um ciclo vicioso fazer com que se tenha uma vida social, profissional, pessoal e relacional quase completamente normalizada”, vinca Paulo Ferreira.

Também na prevenção a divulgação é importante, para que “os doentes conheçam, não se escondam e procurem ajuda”.

Atenção aos sinais de alerta

As lesões características são o primeiro sinal de alerta que deve levar a uma consulta no médico de família ou de um dermatologista. Chamada placa psoriática. Paulo Ferreira explica que se trata de uma mancha avermelhada, com uma descamação esbranquiçada aderente.

“São como flocos de neve”, compara, muito comuns no couro cabeludo. Outras zonas de atenção são os joelhos, os cotovelos, o fundo das costas, os genitais, as mãos e as unhas. Se as lesões afectam até 5% da área corporal, poder-se-á tratar de uma forma ligeira da doença. Até 10% é uma forma moderada e mais do que isso pode ser considerada grave. Contudo, a categorização deve ser feita não apenas pela extensão, mas também por factores como a localização e a descamação. Essas lesões levam a que alguns doentes se queixem de prurido, ou comichão e, segundo o especialista, há “cada vez mais estudos que reportam uma associação entre a psoríase e distúrbios de sono”.

Podendo manifestar-se em qualquer idade, Paulo Ferreira revela que três quartos dos casos aparecem antes dos 40 anos.

Associação luta pelo acesso aos tratamentos

Com 15 anos de existência, a PSOPortugal nasceu pela mão dos próprios doentes que sentiram a necessidade de conhecer a doença, explica Jaime Melancia, presidente da associação, que tem cerca de mil sócios. O dirigente conta que uma das primeiras lutas foi a de conseguir que os medicamentos mais indicados para a doença fossem comparticipados no escalão A, ou seja, tendo 90% de comparticipação. A conquista permitiu que muitos doentes “pudessem ser melhor tratados”. Existem também outros medicamentos para os casos mais graves que são gratuitos e de fornecimento hospitalar, refere.

A próxima batalha, e juntamente com outras associações de doentes da área da dermatologia, será pela redução do IVA dos produtos dermocosméticos, taxados a 23%. Jaime Melancia explica que esses são “um das terapias auxiliares e são quase fundamentais”, já que “os doentes com psoríase precisam de manter a pele condicionada”. Até lá, os sócios têm direito a descontos nos produtos indicados para a psoríase em praticamente todas as farmácias do país.

A PSOPortugal também quer ser um dos agentes de transmissão de informação, seja para os próprios doentes ou para o público em geral, que também deve estar atento aos sinais. Uma das formas deu-se através da iniciativa PSOCast, o lançamento de seis vídeos no YouTube em que o médico Paulo Ferreira responde a todo o tipo de questões sobre a psoríase. “É muito importante mostrar aos doentes que eles não estão sozinhos”, refere Jaime Melancia, e acrescenta que uma das funções da associação é reafirmar que “desistir nunca é opção”.

“Às vezes é assustador”

Helena Guia tinha 13 anos quando as lesões começaram a surgir primeiro no couro cabeludo, depois nos cotovelos e joelhos. A morte da avó materna e o “grande impacto emocional” terão potenciado o aparecimento das manchas. Percorreu vários médicos que lhe receitavam fármacos para eczemas ou seborreia. “Eu só pensava que já não podia viver mais daquela forma.” Aos 18 anos, finalmente o diagnóstico apontou para psoríase.

Ainda hoje, aos 30 anos, a consultora de comunicação se questiona o que levou ao errar do diagnóstico na altura. O facto é que então nem sabia o que era a doença. Não foi fácil lidar com a revelação. “É sempre muito complicado dizer a uma jovem de 18 anos que tem uma doença incurável que se manifesta na pele”, e confidencia, “é uma idade em que queremos seguir determinados ideais de beleza e percebi que não os podia cumprir de todo”.

Tinha cerca de 80% do corpo com lesões nesses anos da adolescência. “É curioso que eu não tenho fotografias e quase nem tenho memórias dessa altura. Parece que o meu lado emocional decidiu apagar esses anos da minha memória. Esse é o reflexo de quão difícil foi”, sublinha. “Depois, percebi que não sou a doença, que tenho é que me adaptar a ela”, afirma, mas até lá foi “um processo longo e difícil” de introspecção.

Ao mesmo tempo que tentava aceitar a doença, também procurava sensibilizar os amigos. Diz que foi “uma felizarda” por não ter sido alvo de discriminação, e que foi o processo de explicar e ensinar sobre a psoríase a quem, como ela, nunca tinha ouvido falar dela que a ajudou a lidar com o desafio. Porém, sublinha que “o preconceito ainda existe” e tem um rol de experiências discriminatórias vindas de pessoas na rua ou de profissionais de saúde que “erradamente” desvalorizam a doença. “Às vezes é assustador pensar que nada mudou na mente das pessoas”, lamenta.

Embora ache importante que os doentes não se escondam e sejam comparticipantes, diz compreender “perfeitamente” que não o façam. “Cada pessoa tem o seu tempo de lidar com as coisas. O mais importante é não dar descrédito à doença. Podem não falar dela, mas pelo menos com um dermatologista e especialistas falem. Não podem ficar isoladas”, apela. 

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