Refugiado
Moria: novo campo será nova “prisão para pessoas que não cometeram crimes”
A 9 de Setembro, um incêndio devastou o campo de refugiados de Moria, na ilha grega de Lesbos, deixando 13 mil pessoas desalojadas, sem apoio ou comida. O fotógrafo grego Angelos Christofilopoulos fotografou o "caos" que se instalou. E garante: “Ninguém gostaria de viver ali. É desumano.”
Após o fogo no campo de refugiados de Moria, na ilha de Lesbos, na Grécia, que ocorreu há precisamente um mês e deixou 13 mil pessoas sem um tecto, provisões ou ajuda médica, que entretanto foram realojadas temporariamente noutros campos ou abrigos, o fotógrafo grego Angelos Christofilopoulos deslocou-se até ao local e testemunhou o “caos” instalado. “Quando cheguei, dois dias depois do incêndio principal, ainda havia partes do campo em chamas. Entre os destroços daquilo que eram as suas casas, vi pessoas em busca de bens pessoais que tinham sobrevivido ao fogo. Vi famílias inteiras a dormir nos campos de oliveiras, nas bermas das estradas que circundavam o campo. Assisti aos bloqueios realizados nas estradas pela polícia de choque, no sentido de conter as movimentações dos refugiados. Vi-os controlar os grupos de pessoas com recurso a gás lacrimogéneo.” Deparou-se com um “um cenário dramático”.
As imagens falam por si. Aquilo que não comunicam está implícito. “Estamos a falar de 13 mil pessoas cujo ‘crime’ foi, unicamente, viajar até à Europa em busca de uma vida melhor. Estas pessoas estão detidas, são prisioneiras, e não cometeram nenhum crime.” Angelos pode apenas especular, e sublinha bem esse facto, mas acredita que o fogo foi posto pelos próprios refugiados, “que estão fartos de esperar por soluções para a sua situação”. Talvez tivessem esperança de assim conseguirem pressionar o Governo grego – e, implicitamente, a União Europeia – para novas soluções. “Estes campos, muitas vezes sobrelotados – como é o caso de Moria, que excede quatro vezes a sua lotação – são lugares difíceis, caóticos, onde o crime é quotidiano, onde as condições de higiene e salubridade são péssimas. Com a chegada da pandemia de covid-19, com imposição de confinamento, a situação deteriorou-se ainda mais.” O campo transformou-se numa “bomba-relógio” pronta a explodir. “Ninguém gostaria de viver ali, garanto. É desumano.”
Embora a situação decorra em solo grego, Angelos sublinha que esta situação “está sobre os ombros de todos os europeus”. Até porque, garante, nenhum migrante deseja permanecer na Grécia. “O seu objectivo é chegar à Alemanha, a França, nunca ficar aqui.” As respostas a este fenómeno devem ser encontradas colectivamente, crê, mas no sentido oposto àquelas que vigoram actualmente. “Isolar, deter, deportar não são soluções. Integrar sim.”
“Moria é um espelho da nossa sociedade”, refere, repetidamente. “E reflecte uma imagem feia: a da perda de respeito pelo ser humano, a da perda de dignidade.” O fotógrafo considera que todos somos culpados, ao não agirmos, por permitirmos que esta situação se mantenha. “Ao longo da História, sempre houve movimentos migratórios e ondas de refugiados em trânsito. O que está a acontecer neste momento, na Europa, não é nada de novo. Se pensarmos que ninguém deseja, de facto, abandonar o seu país – que todos preferimos permanecer onde temos as nossas raízes –, percebemos que as pessoas que chegam migraram por necessidade. Nós já fomos, noutra época histórica, esse migrante.”
Em relação à construção de um novo campo em substituição do anterior, Angelos tem uma opinião vincada. “Podemos construir novos campos, de tijolo e cimento, com perfeitas condições sanitárias e de habitabilidade, mas isso não muda o facto de continuarem a ser prisões. Prisões para pessoas que não cometeram nenhum crime.”