Estereótipos de género e sprites
Talvez seja tempo de assumirmos que, efectivamente, os estereótipos de género continuam ao nível dos sprites: ainda são invisíveis ao “olhar” de grande parte das pessoas.
Há pouco tempo vi um programa televisivo que falava do fenómeno dos sprites, que são flashes luminosos, alongados, vermelhos e maciços que aparecem directamente acima das trovoadas. As suas estruturas podem estender-se do topo das nuvens para altitudes de quase 95 km.
Neste momento estarão a pensar: qual a relação entre os sprites e os estereótipos de género? Vários estudos têm mostrado que os estereótipos de género influenciam fortemente e, por vezes, de forma decisiva, o comportamento dos indivíduos, na medida em são representações generalizadas acerca do que os homens e as mulheres devem ser (traços de género) e fazer (papéis de género). Por outro lado, e se analisarmos etimologicamente o termo estereótipo, verifica-se que vem das palavras gregas stereo (rígido) e tipo (traço), significando “tornar fixo, inalterável”. Isto é, os estereótipos de género são construídos socialmente, amplamente difundidos e apresentados como relativamente inalteráveis.
Vários estudos levados a cabo em Portugal e na Europa têm apontado para o forte carácter normativo dos estereótipos de género. Por exemplo, numa investigação (Alison Phipps, 2007) levada a cabo na Grã-Bretanha sobre o discurso relativo à capacidade das mulheres desempenharem profissões tecnológicas chegou-se ao seguinte esquema:
Através deste exemplo, verifica-se que os traços e papéis atribuídos a homens e mulheres apresentam duas características:
- Por um lado, constituem um esquema binário, praticamente antonímico que se traduz na ilusão de simetria e/ou complementaridade entre mulheres e homens;
- Por outro lado, indicam que o referente universal ligado aos valores dominantes, são masculinos, ou seja, as características atribuídas aos homens têm um peso social mais positivo do que as atribuídas às mulheres (ex.: ser “racional” versus “emotiva”; “confiante” versus “insegura”, etc.).
No entanto, ainda hoje, em pleno século XXI se lêem artigos onde autoras e autores negam o carácter normativo dos estereótipos de género e ridicularizam o seu impacto na vida de mulheres e de homens. Ou seja, no que concerne especificamente à igualdade de género, o próprio processo de estereotipia nem sempre é reconhecido. É aquilo a que eu chamo de “fenómeno sprite”. É que os sprites apesar de serem fenómenos luminosos vermelhos, com mais de 95 km, raramente são visíveis a olho nu. Apesar de enormes, são praticamente invisíveis.
Fazendo uso das palavras de Lígia Amâncio:
Talvez seja tempo de assumirmos que, efectivamente, os estereótipos de género continuam ao nível dos sprites: ainda são invisíveis ao “olhar” de grande parte das pessoas. Impõe-se, mais do que nunca, tornar visível o que ainda é invisível e isso implica “desocultar” os estereótipos de género e o impacto que os mesmos têm na vida de mulheres e de homens.