Departamento de Justiça dos EUA autoriza investigações de fraude antes das eleições
Recomendação cria excepção a uma política com 40 anos e permite abertura de inquéritos antes de os votos serem registados. Críticos dizem que tem potencial para alimentar narrativa de Trump sobre um cenário de fraude nos votos por correspondência.
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos decidiu abrir uma excepção à “política de não-interferência nas eleições”, autorizando os procuradores federais a lançarem investigações sobre suspeitas de fraude eleitoral antes de os votos para as presidenciais do dia 3 de Novembro serem contabilizados e certificados.
Ao longo das últimas quatro décadas, a tradição processual do Departamento de Justiça ia no sentido de se evitar anunciar acções judiciais em casos de suspeita de fraude nos meses que antecedem um ciclo eleitoral, para não afastar as pessoas das urnas, por um lado, e para não dinamitar a confiança do eleitorado na legitimidade dos resultados e na votação em si.
Esta excepção tem especial relevância no contexto das eleições disputadas entre Donald Trump e Joe Biden, uma vez que, por causa da pandemia do novo coronavírus, são esperados bastantes mais votos por correspondência do que o habitual numas presidenciais norte-americanas.
Para além disso, tanto o Presidente dos EUA, como o seu attorney-general, William Barr – que preside ao Departamento de Justiça – têm promovido e alimentado a narrativa conspirativa de que o país se prepara para uma situação de fraude eleitoral sem precedentes, que, dizem, beneficiará Joe Biden e o Partido Democrata.
A excepção foi enviada sob a forma de memorando para vários procuradores da Divisão Criminal do departamento.
Segundo fontes próximas do caso ouvidas pelo New York Times, Washington Post e CNN, é permitida a abertura de investigações e de inquéritos a testemunhas, dirigidos a funcionários federais e militares e trabalhadores dos correios envolvidos na distribuição, transporte e contagem de boletins de voto, que sejam suspeitos de conduta dolosa.
Aproveitamento político?
O Departamento de Justiça garante que a excepção à regra não foi concebida por nenhum dirigente político, não consubstancia qualquer posição política e trata-se de uma recomendação normal em tempos de eleições.
“Nenhum político teve qualquer papel na condução, preparação e envio deste email. Os procuradores da secção de Integridade Pública da Divisão Criminal do Departamento recebem com frequência recomendações durante a época eleitoral. Este email faz parte desse processo contínuo de recomendações rotineiras sobre assuntos eleitorais”, resumiu um porta-voz.
Entre os críticos da medida há, no entanto, quem tenha receio de esta que seja utilizada pelo Presidente dos EUA e pela sua Administração para fins políticos. Até porque Trump já se recusou, em mais do que uma ocasião, a confirmar que vai reconhecer o resultado das presidenciais, em caso de derrota contra Biden.
“Nunca é positivo haver uma excepção à política de não-interferência nas eleições. Isso significa: ‘são estes os caminhos possíveis para se poder interferir nas eleições’”, diz Justin Levitt, antigo funcionário da Divisão de Direitos Civis do Departamento de Justiça.
“Receio que esta política seja uma luz verde à utilização de investigações judiciais federais para fins político-partidários”, lamenta, citado pelo Washington Post.
Ao New York Times, a antiga procuradora do Alabama e professora de Direito, Joyce Vance, considera que o departamento liderado por Barr está a contribuir para “construir a narrativa da fraude nos votos por correspondência, apesar da ausência de quaisquer provas, que Trump precisa para contestar os resultados se perder a eleição”.
Também ao jornal nova-iorquino, a directora do Programa Democracia do Brennan Center for Justice, diz não encontrar uma justificação jurídica meritória na opção do Departamento de Justiça norte-americano.
“Se eles [Departamento de Justiça] querem dissuadir as más condutas que dizem que os preocupam, podem sempre recordar as pessoas sobre a existência da lei e anunciar que vão processar todos os que a violem”, considera Wendy Weiser. “Isso não requer uma excepção a uma política duradoura e sensata”.